sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Rumo ao eterno horizonte

No entardecer desse ano que se passa fica muito do que sou. Nos dias se espanharam as lascas existenciais. Elas ficaram em todas as pessoas nas quais eu pude encontrar. As pessoas que me encontraram também deixaram suas lascas existenciais em mim. Umas fizeram acender uma luz, trouxeram seus candelabros e eu trouxe a lenha. Tal qual a lareira em tempos de outono e inverno, o encontro com os outros me mostrou eu mesmo. Aos poucos sou gestado nos encontros. Outras trouxeram fel e vinagre. No amanhecer do novo ano que chega vou descobrir o que poderei ser! Se a âncora da saudade que, às vezes pesa, me empurra para o passado a baixo, a possibilidade do hoje me impulsionará para um horizonte que a minha vista ainda não pôde abarcar. Fui feito para a história e a história foi feita para mim, somos inseparáveis, andamos de mãos juntas pelas cidades à noite, ruas desertas e madrugada a fora. Trago também uma pequena eternidade dentro de mim, às vezes não cabe dentro de mim, às vezes parece que foi feito sob medida, às vezes é inadequado, hóspede indesejado. Pulsa e eu repulso, quando pulso para que repulse, buscando sobreviver, buscando não apenas passar pela vida, mas existir, persistir e eternizar-me na existência. Sou inadequado, mas não condenado pelo tempo que se derrama diante dos meus olhos. Ainda sou aquele menino assustado, que olhava da janela de casa, espantado com o movimento da rua. Sonho as possibilidades que a vida me dá para sonhar, sonho até mesmo quando não há motivos para sonhar. Por um momento, dou por mim, me vejo nesse corpo, nessa vida, absorvido na magnitude desse mistério inefável. Sou um pequeno mistério aberto ao mistério da infinitude. O sopro divino da vida ressoa em mim e não fui eu quem quis assim, eu só aprendi a ser assim. Continuo sendo pequeno, não me esqueço de onde vim, mas os meus olhos ainda estão fixados no horizonte alaranjado, quando concilia dia e noite de uma forma magistral. Eu te conheço, horizonte, desde criança, quando empinava pipa, e eu te venerava, esquecia de mim mesmo. Como um oráculo de Delfos, eu te consultava, te fazia perguntas sem palavras, para descobrir algo de Deus, de mim e de ti. Respondias-me com a tua regularidade imutável: mudavam-se o tempo, o clima, a que chuva visitava o chão da terra sedenta, o vento que percorria tua glória espacial para refrescar a humanidade, e tu sempre permaneceste. Meu horizonte, que seria de mim sem você? Meu amor eterno, onde descanso meus olhos, voz, coração e alma. A tua solidão fecunda as ausências da minha presença e deixa um lastro da saudade na alma e um brilho inigualável nos olhos meus. Remete-me à geografia da alma, em regiões selvagens inimagináveis, mata virgem, que terei que enfrentar. Mas e o medo de enfrentar o desconhecido? Dá mais medo investigar as regiões mais desconhecidas da alma, do que as regiões desconhecidas do mundo. Vou somente porque tenho o horizonte. Vou tentando me equilibrar na linha do horizonte. Vou com o horizonte, com a história, com o que sou, com o que não sou e o que poderei ser! Eu vou e você?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Música comercial e conteúdo: esta química é possível?

Escute alguma rádio por aí e você vai se deparar com a chamada Música comercial: letra curta, rima na maioria das vezes pobres e vazias de significados, e melodia que gruda na cabeça da gente. Antigamente, os compositores e os trovadores da boa música popular brasileira se importaram mais com o conteúdo a ser transmitido, do que a exposição de sua imagem. Faziam músicas que nos faziam sonhar, sem sair do chão. Cito alguns exemplos das músicas seculares: O que cantam as crianças, gravadas pelo grupo infantil A Turma do Balão Mágico (Que canto mais lindo que vem pelo ar, Vem vindo de todo lugar, Que canto mais lindo que brilho que luz, Encanta me abraça seduz), Caçador de mim gravada pelo Milton Nascimento (Por tanto amor, por tanta emoção, a vida me fez assim, doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim), Seguindo no trem azul gravada pelo Roupa Nova (Confessar, sem medo de mentir, que em você, encontrei inspiração, para escrever...). Você já deve ter escutado essas músicas. Há beleza no conteúdo e na melodia. A boa música é aquela que nunca esgota os bons significados da bela mensagem. Não preciso citar os exemplos péssimos que há por aí! Já basta a indústria da mídia que há por trás desse tipo de música, pois também há nicho de mercado para essa modalidade. A letra e os significados que se desdobram dela devem voltar a ter primazia sobre a melodia. Nunca escrevo para mim mesmo, escrevo para alguém diferente de mim. Devo escrever para que as pessoas pensem, para que reflitam e questione. Há bastante músicas para pular, para chacoalhar, poucas para fazer refletir e calar fundo no coração de alguém. A música tem um papel formativo gigantesco no mundo hodierno. Forma mentalidades, forja costumes e reconfigura perspectivas, para o bem e para o mal. A música tem um poder terapêutico enorme, a palavra trabalhada, bem vivenciada quando chega ao homem, tem o poder de educá-lo aos valores humanos. Quando é somente um jogo de palavras, ou retórica, pode ocasionar a relação de dominação e alienação. A melodia também traz em si muitos significados. A melodia nos tempos medievais, principalmente o canto polifônico e o canto gregoriano, se caracterizavam pela regularidade, havia um tempo alto e um tempo baixo, bem definidos, significando a dicotomia entre o tempo e a eternidade. A música pós-moderna é caracterizada, sobretudo, pela mistura de sons, ritmos, supõe o não-definitivo, o não-permanente, o transitório, o embate do homem com sua realidade. Minha modesta opinião, perfeitamente conciliável a música comercial e os bons conteúdos, sejam eles sobre o amor, sobre a cultura, sobre a religião, sobre o encontro humano. Mas que elevem-se os significados, que se elevem a palavra elaborada que edifica, que constrói pontes, que desate os nós e Procuram-se novos compositores dos novos tempos, que façam melodia e letra que levem o meu povo sonhar, pensar, refletir!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Questão XVI da Suma de Teologia – A verdade em Tomás de Aquino - A verdade está apenas no intelecto? [Utrum veritas sit tantum in intellectu]

Para a objeção da tese de que a verdade estaria somente no intelecto[1], Tomás utiliza os argumentos de Agostinho em Solilóquios rejeita a tese de que o verdadeiro é aquilo que se vê, tomando o exemplo das pedras que estão debaixo da terra são falsas, pois não poderiam ser visualizadas. Também rejeita a tese de que o verdadeiro é o que aparece como tal ao sujeito[2] que conhece, se este quer e pode conhecê-lo. Ao justificar que a coisa[3] está inacessível aos sentidos não pode ter estatuto de verdade. Assim, infere-se que a verdade não estaria para o âmbito do intelecto, mas para sim da coisa. A conclusão que se chega é que a verdade manifesta-se, por assim dizer, conforme o conhecimento da coisa. Parece ser o caso de afirmar que a verdade não ter dependência de um sujeito que a conhece, e seria essencial dizer a origem da verdade no conhecimento, ou seja, nas coisas. O equívoco dos antigos filósofos foi considerarem que a manifestação de uma entidade[4] é necessariamente a verdade, ao passo que, sua não-manifestação configuraria condições de não-conhecimento. Aristóteles, citado por Tomás, afirma nos Primeiros Analíticos: “o que faz que uma coisa seja tal o é mais do que ela.”. O Filósofo coloca em evidência a manifestação da entidade em relação à sua própria existência, no sentido da manifestação perpassar seu âmbito existencial. O fato da coisa ser ou não-ser está relacionado com uma opinião verdadeira ou falsa. Assim, a verdade se encontra mais nas coisas do que no intelecto. Tomás, em sentido contrário, recorre à Aristóteles, que afirma em IV Metafísica que “o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas no intelecto.” Tomás sugere a seguinte solução: “Assim como chamamos bem[5] [Bonum] àquilo que tende o apetite[6] [Appetitus], chamamos verdade [Verum] àquilo que tende ao intelecto [Intellectus].”[7] Tomás explica que há uma natureza do bem, o que não falta ao ser que se dirige ao apetite, uma inclinação natural que abarca tanto a jurisdição espiritual, quanto a material, e é irreprimível, uma lei natural que não pode ser simplesmente ignorada, anulada ou destruída. Essa naturalidade também ocorre com a verdade que tende ao intelecto, é através dele que se torna possível o conhecimento dos universais e a essência das coisas. A coisa conhecida pode nos remeter ou ao intelecto por si, ou por acidente. Quando é pelo intelecto, significa que esse depende conforme o seu ser. Quando por acidente, trata-se ao intelecto que a torna cognoscível. Tomás cita o exemplo da casa, que remete por si ao intelecto de seu artífice e simultaneamente por acidente ao intelecto, na qual não há relação de dependência. Todavia, Aquino faz a seguinte ressalva: “Ora, o juízo [Iudicium] sobre uma coisa não se faz em razão do que lhe é acidental [Accidens], e sim do que lhe é essencial [quod inest ei per si].”[8] No plano do discurso, uma coisa pode ser considerada verdadeira conforme a relação com o intelecto de que depende. É é por esse aspecto que as produções artísticas são verdadeiras no que tange ao intelecto: A casa corresponde à forma contida na mente daquele que a concebeu. Então “uma frase é verdadeira [Oratio Vera] quando é o sinal [Signum] de um conhecimento intelectual verdadeiro [Intelectus Veri].”[9] Isto pode ser explicado da seguinte maneira: as coisas naturais são verdadeiras à medida em que se assemelham [Similitudinem] às representações [Specierum], localizadas na mente divina. Tomás conclui que: “Assim, a verdade [Veritas] está principalmente [Principaliter] no intelecto [Intellectu], secundariamente [Secundario] nas coisas [Rebus], na medida em que se referem ao intelecto, como a seu princípio [Principium].”[10] O verdadeiro identificado como um transcendental sugere a temática essencial de que Deus não é somente identificado como a causa do ser e de todos os entes criados, mas Ele os causa formalmente por seu conhecimento. Logo, o ente em si é inteligível e um objeto também para os intelectos, que na qual não tem acesso a eles. O ser não pode ser redutível à inteligibilidade, pelas perspectivas do inteligente criado e a do intelecto divino. Não se reduz a esses aspectos e nem acrescenta à inteligibilidade. Tomás considera que a verdade possui diversidades. Considera o que diz Agostinho em Da Verdadeira Religião: “A verdade é aquilo pelo qual é manifestado o que é”, e “A verdade é a perfeita semelhança com o princípio, sem nenhuma dessemelhança”, Hilário, citado por Tomás: “O verdadeiro é a declaração ou a manifestação do ser”, Anselmo citado por Tomás: “A verdade é a retidão que só a mente percebe” e Avicena, citado por Tomás : “A verdade de cada coisa consiste na propriedade do seu ser que lhe foi conferido”. Tendo em vista de que o verdadeiro está formalmente no território do conhecimento, está como conhecido. A concepção de ser verdadeiro, pela ótica da coisa, corresponde a ser aquilo a que se deve conformar a inteligência que conhece. É a partir dessa idéia de conformidade que a concepção de verdade ganha consistência. Quem conhece, sabe que pode conhecer. O que Tomás quer mostrar é que o intelecto é o que origina a verdade, entretanto, a verdade não depende somente do intelecto. E ele faz isso a partir da analogia entre verdade e bem, partindo do princípio de duas faculdades da alma, a saber: intelecto e apetite, aprofunda a relação entre coisa (acidental) e intelecto (essencial). Assim, a verdade que está no intelecto está intimamente relacionada com a relação coisa-intelecto. [1] O intelecto é a faculdade pela qual um ser espiritual conhece o universal, o imaterial, a própria essência das coisas. Essa palavra não é exatamente sinônima de inteligência: ela não significa apenas a faculdade, mas uma certa qualidade. Ela não traduz, entretanto, aquilo que Sto. Tomás denomina mens, que engloba o conjunto das faculdades espirituais e significa até mesmo, frequentemente a própia alma, enquanto espiritual e princípio de toda atividade intelectual. O intellectus pode significar também o simples e imediato olhar da inteligência. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Intelecto” [2] Na linguagem moderna, o sujeito real é considerado sobretudo do ponto de vista psicológico e reflexivo. Trata-se então do sujeito consciente e livre que Tomás chama de pessoa. A oposição sujeio-objeto não aparece em seu vocabulário, mas sim em seu pensamento. Para ele, tudo aquilo que é de ordem da consciência comporta essencialmente uma orientação para o ser (que ele chama de intencionalidade) que faz dele seu objeto. Mas, antes de ser consciência, o sujeito é ser e como tal subsistente em si mesmo. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Sujeito” [3] No uso que faz Sto. Tomás, o sentido da realidade (coisa = res = realidade) deve ser frequentemente tomado em toda a sua força. Opondo a coisa ao objeto pensado e tornando-a um além em si mesmo irrepresentável da representação, Kant faz o leitor de Sto. Tomás tomar consciência da força do realismo que possui para ele o conceito de coisa, ou melhor, de res. A res é o real e é esse real que o pensamento conhece, em sua própria realidade. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Coisa” [4] O ens, ou ser, a coisa existente, aquilo que exerce o ato de existir ou que é concebido como podendo exercê-lo. Frequentemente, Sto. Tomás o denominará substãncia, sujeito, supósito. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Ser”. [5] Traduz-se frequentemente por bondade esse aspecto do bem (do ser bom), inclinando-se por si próprio para um apetite que tende para ele (e a fortiori quando essa inclinação é voluntária). A distinção entre bem e bondade não se encontra, entretanto bem delineada na terminologia latina. Enquanto atrativo e enquanto termo da inclinação, o bem identifica-se com o fim, e o bem total, infinito, que é Deus, com o fim ultimo. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Bondade” [6] O conceito de apetite em Tomás de Aquino é muito diversificado e vasto. Abrange tanto o apetite natural que significa a inclinação do sujeito para o objeto de sua conveniência, ou seja, o bem, quanto o apetite elícito que é motivado pela percepção do objeto, juntamente com sua conveniência ao sujeito, ou seja, manifesta-se de uma determinada faculdade como sendo sua própria atividade. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Apetite” [7] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [8] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [9] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [10] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I

Eis o verdadeiro Natal

Deus mandou Jesus para os homens, e os homens não o receberam. Ornamentaram as suas casas com os enfeites natalinos. Mas o seu coração não recebeu a Luz vinda da Luz. Prepararam a grande festa, o grande banquete, chamaram a todos, mas expulsaram a motivação divina que se fez carne! Pensavam que Ele viria cortejado por uma multidão de anjos da mais alta dignidade, foi recebido pelos humildes, pensavam que nasceria em riqueza abundante e suntuoso palácio, foi concebido na estrebaria mais humilde da cidade de Nazaré. A história humana nunca mais foi a mesma, foi dividida entre o que se passou antes Dele e o que se passará depois Dele. Entre e acima do antes, do agora e do depois, Ele sempre estará entre nós! Jesus, Deus de Deus, Luz da Luz, Sol eterno que venceu a madrugada da solidão, Rosto divino do homem, Rosto humano de Deus, como gostava de dizer o saudoso João Paulo II. O eterno ficou tão próximo que eu o posso tocar e posso sentir. Posso fazer o bem sem olhar a quem! Toque o mistério sem mesmo entendê-lo! Eis o verdadeiro Natal que acontece todos os dias diante de nós e que passa batido...

Impressões dezembrianas: descanso e confrontos

Dezembro, mês do alívio, do repouso merecido, depois de ter combatido o bom combate durante o ano inteiro. Tempo de retrospectivas, de descer até os porões da alma para averiguar o que deixamos por lá. Muitas tranqueiras? Muito lixo? Tempo de esvaziar... Acumulou muita coisa nova e boa esse ano? Mas jogou no subsolo subjetivo. Adiantou alguma coisa? Mais tarde, quem sabe nos anos vindouros também se tornará lixo que cairá na memória do esquecimento. De certa forma somos aquilo que cuidamos... ou aquilo que descuidamos. Nossas prioridades que não são tão urgentes assim, e as coisas adiáveis que insistimos que são para ontem. Tempo de reflexão, tempo de esclarecimento. Momento de enfrentar-se, sem medo do que você poderá encontrar em você mesmo. Haverá surpresas? Sim! Agradáveis ou desagradáveis? As duas! A constituição de uma subjetividade que não deva em conta o processo do vir-a-ser, da reflexão apurada consigo mesmo, corre sérios riscos de tornar-se massa amorfa misturada na multidão. É tão fácil deixar de ser humano sem mudar de espécie... mas fácil ainda, na minha mente, transformar os outros naquilo que eu quero que eles sejam. Em que melhorei e em que piorei? Cuidei mais de melhorar a parte profissional e esqueci a parte humana? Da formação do ser pessoa,não podemos nos descuidar um só segundo। É uma tarefa elevada ao infinito, sempre há o que fazer. Para momentos únicos, reflexões únicas! O último mês do ano já escapa entre os dedos, com ele vai uma história. Deixe que vá, não aprisione o que deverá necessariamente passar. Abra-se ao novo!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Pe. Júlio Lancelotti, o apóstolo da fé e profeta do apostolado social no Brasil

Tive a alegria e o privilégio de conhecer esse grande profeta da fé e do apostolado social que é o pe. Júlio Lancelotti. Fui até a sua pároquia São Miguel Arcanjo, situada na Zona Leste de São Paulo. Me deparei com um grande homem, de olhar sereno e de voz mansa, marcado pelas cruzes da perseguição. Já na secretária da paróquia notei que era afeiçoado pelos santos, muitos santos. Perguntei a ele que linha seguia, ele me disse que seguia o Evangelho de Cristo. Tinha me referido as diferentes linhas de carismas na Igreja: RCC, Teologia da Libertação. Pe Júlio é aberto a todos os movimentos eclesiais, mas sempre com muito discernimento e cautela. Excessos há em todos os movimentos. Há que se buscar o que apóstolo Paulo disse: "Examinai tudo e ficai com aquilo que é bom!". Conversamos sobre a protestantinização do clero, os efeitos colateriais do modernismo na Igreja. O fato é que estão dando mais importancia para o estudo na Igreja, mas a missão e a questão social ainda está às traças. É importante clero bem formado, culto, povo bem formado e culto, entretanto, urge ir ao povo. Conversava com pe. Júlio que padre Dehon, apóstolo do coração de Jesus e profeta social dizia.: "O povo já não vem à Igreja...é preciso que a Igreja vá ao povo!" Mas infelizmente, não é isso que venho presenciando. Há muito o que fazer para que a Igreja possa se dizer missionária. O lugar de missão que refiro, pode ser qualquer lugar, mas o verdadeiro lugar de missão, de garimpagem, é o próprio homem! Seja onde for, encontraremos homens sedentos de Deus, sem esperança, sem voz e nem vez, despojados de sonhos e às margens da sociedade. Como não ser sensível e não enxergar o Coração de Jesus, que se faz frágil, nesses irmãos? Pe. Julio me levou a sua sala, cheia de santos, de livros. Me disse que chorou muito com um santo que amava muito: São João Eudes, o apóstolo do Sagrado Coração de Jesus. Pe. Júlio me ensinou naquela noite que quem realmente fez a experiência de Deus não pode se conter; já encontrou o que tanto procurava, e agora deve ajudar aos que mais precisam de ajuda na sociedade de hoje. Busca-se uma Igreja Missionária, despojada que vai com conteúdo anunciar Jesus! E não anuncia somente com as palavras, mas com a tradição da Igreja (sedimentação e inovação a partir da realidade) que não mede esforço para buscar os desgarrados, não pela apologética em si, mas pela qualidade de vida espiritual e humana. Procura-se pessoas dispostas a se imolarem no altar da vida em favor daqueles que perderam tudo o que é possível perder nessa vida. Como cristão, não devo falar somente das flores, devo falar dos espinhos que fazem sangrar o coração da humanidade! E mais do que falar, ser o milagre encarnado que não sabe esperar outro milagre para tomar as atitudes que devem ser tomadas, gerando fraternidade entre os homens e fazendo o Reinado Social do Coração de Cristo acontecer nas almas e na sociedade. Sei que o ibope não se rende ao avesso das flores que são os espinhos, e prefiro seguir assim, anunciando e denunciando! Diante da proposta de Cristo: "Quem quiser me seguir, toma a sua cruz e me siga" , alguém se habilita? Esta foi minha humilde homenagem ao padre Júlio, pois as homenagens devem ser feitas na vida e não depois que se passa dessa vida!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Despedida: forma interessante de encontro

Caríssimos; Depois das palavras do amigo Rogério, arrisco algumas palavras. Último dia de aula, para três anos que convivemos juntos. Viver é relativamente fácil, conviver é tarefa e desafio que se impõe para uma vida toda. Tanta gente passou por nós, nós passamos pela vida de outras tantas pessoas e o que deixei nessa gente? O que deixaram em mim? Algumas pessoas passaram, outras ficaram... para ambas, que fiquem marcas positivas. Comemore por chegar ao fim, mas não se esqueça que nesse fim, há um começo. Vibre, mas não pense que houve vencedores e vencidos efetivos. Quem pensa que venceu, poderá tropeçar, quem pensa que perdeu, poderá se levantar. Pessoas são mais interessantes em seus avessos, onde há mais ser para além dos olhos que podem ver, pois desconcerta àqueles fixados na aparência. Agradeço a todos vocês por me ajudarem a fazer o que fiz por vocês. Não tive outro interesse a não ser o interesse de vocês. Não tinha que ser diferente. Foi um desafio enorme, responsabilidade grande ser um 'porta-voz' de pessoas brilhantes. Gelou o ser quando me delegaram essa missão. Poderia até saber de alguns riscos, mas não imaginava o que viria pela frente. Trago um sentimento bom sobre isso, não é fácil estar à frente de uma turma de Filosofia durante 3 anos. Exupéry dizia que o essencial é invisível aos olhos, que somos responsáveis por aqueles que cativamos. Hoje, devolvo a vocês, caríssimos, essa chave que vocês me confiaram no começo de 2007, certo de que poderia fazer mais, mas fiz até onde meu limite permitiu. Lembro-me da professora Glória dizendo que quem entrou na roda da Filosofia, não será mais o mesmo. Colheremos os frutos desses três anos ao longo da vida. Que tudo o que vimos em sala de aula possa ter nos auxiliado a sermos mais humanos uns para com os outros, a viver com mais qualidade de vida, no sentido existencial da mesma. Valeu a pena conhecer e conviver com cada um, cada qual, com sua vivência, seu jeitão único. O que resta a todos nós, como diria Milton Nascimento é tomar conta da amizade e soltar a voz nas estradas por onde andarmos. Semeando esclarecimentos, filosofando com o coração e com a vida, pois como diria Pascal, "o coração tem razões que a própria razão desconhece." Essas coisas do coração, a amizade, são aulas que a faculdade não deu, mas que a vida se encarregou de ensinar a cada um. Peço desculpas a todos por alguma palavra, algum gesto que tenha ferido alguém. Nesse instante que me faltam as palavras (a perplexidade e o silêncio é o começo da boa filosofia), recorro ao poema de Fernando Pessoa "Encerrando ciclos". Despedidas nem sempre são fins, mas constituem-se uma forma de encontro interessante com as pessoas e com a nossa história vivenciada. A cada um, meu abraço amigo e irmão, e a minha mão estendida quando precisarem। Avancem para águas mais profundas! Com estima e gratidão! Ricardo Ferrara Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final... Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações? Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu... Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado. Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora... Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará! Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és. E lembra-te: Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão Fernando Pessoa

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A crise da verdade na pós-modernidade

Adentrando aos tempos atuais, é possível afirmar que o desinteresse pela verdade chegou ao limite do tolerável, a tal ponto que o homem moderno e contemporâneo acredita que a verdade e o falso, o certo e o errado já não existem mais. Esse espaço de reflexão se faz necessário para a conscientização e esclarecimento, sem regras ditatoriais ou relativismos obtusos, pois os extremos são sempre radicalizações. Fiquemos, então, com a radicalidade nua e crua da denuncia de Lauand: “Particularmente hoje, a crise da verdade assume proporções inéditas: em nosso niilismo pós-nietzchiano assumido, desarticulou-se a verdade, o ser e a unidade em favor da não-verdade, do não-ser e do não-uno.” (1) Lauand analisa que a harmonia trilogística entre verdade, ser e unidade foi desmantelada, e foi elevada a escalas jamais vistas em promoção da privação ou do obscurecimento da verdade, do ser e da unidade. Disso resulta que a lei da oferta e da procura possa pender mais para relativismos anacrônicos, verborragias que tendem ao nada do que para a beleza da verdade, seja ela útil, no sentido do conhecimento empírico e metafísico, ou, seja ela contemplativa no horizonte estético da arte. Tal como a chuva enche os oceanos, este processo de corrosão da verdade vem de longa data, a começar com os Pré-Socráticos na figura de Protágoras, passando pelas escolas céticas pirrônicas e acadêmicas, estendendo suas raízes na hermenêutica pós-contemporânea. Com relação aos pré-socráticos, Lauand considera que: “O clima intelectual hodierno... neste mundo de globalização, lembra mais a posição de Protágoras (c. 490 – c. 421 a.C), expressa na famosa sentença: “o homem é a medida de todas as coisas”. E assim cada um tem a sua própria verdade como tem sua própria religião, moral, filosofia, etc... O que importa é não pretender que sua verdade seja também para os outros.” (2) O que é importante marcar nessa análise de Lauand é a raiz do antropocentrismo em Protágoras que chega ao seu auge nos tempos atuais, onde a verdade subjetiva é exaltada em verso e em prosa em dicotomia com a supressão e obscurecimento da verdade. Em ambos os casos, uma possível relação entre verdade, ser e unidade constitui uma couraça rígida, indesejada para o âmbito do conhecimento. Continuando o percurso histórico, Lauand aponta que “ o ceticismo, em suas formas variáveis, é uma negação da verdade, geralmente acompanhada de angústia: o fato novo de nosso tempo é a exaltação dessa negação. Em todo caso, sempre o ceticismo procede de um ato de vontade e não da inteligência.”(3) Os céticos se enclausuraram na acatalepsia (4), que significa a impossibilidade do alcance da verdade. Eles se julgavam no direito da epokhé(5), ou seja, não atribuíam o juízo de verdade ou de falsidade, por alegarem desconhecer a verdadeira natureza das coisas. O objetivo da epokhé nos céticos é o alcance da ataraxia(6), a tranqüilidade da alma pela suspensão do juízo. A influência cética tem rastros na hermenêutica pós-contemporânea: “Esta negação da verdade acentua-se ainda mais no atual pensamento pós-moderno hermenêutico, que reduz a filosofia à literatura e maliciosamente alude a questão do ser e parece desconhecer que a existência enquanto tal é causa única de toda a inteligibilidade e de todo ato lingüístico.” (7) É perfeitamente possível haver profundas relações entre Filosofia e Literatura, ainda que essas tenham jurisdições bem definidas, todavia, não legitima o reducionismo da Filosofia à Literatura। Há também, na hermenêutica pós-contemporânea uma tendência de desvalorização da concepção do ser, verdade e unidade com extrema ênfase na dissolução do vínculo entre existência e intelecção. Tais posturas estão ancoradas na relativização e obscurecimento da verdade ao longo da História da Filosofia. (1) Verdade e Evidência. in: SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. trad. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.81 (2) Verdade e Evidência. in: SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. trad. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.82 (3) Verdade e Evidência. in: SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. trad. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.82 (4) acatalepsia em grego, que quer dizer literalmente incompreensibilidade (5) Epokhé em grego, que significa suspensão de juíz (6) Ataraxia em grego "... e também os céticos, com efeito, esperavam recobrar a serenidade do espírito com base em submeter em juízo a disparidade dos fenômenos e das considerações teóricas; porém, não sendo capazes de fazer isto, suspenderam seus juízos (epokhé) e, ao suspender seus juízos, os acompanhou como por sorte a serenidade do espírito (ataraxia), do mesmo jeito que a sombra segue o corpo." FILHO, Roberto Bolzani. O ceticismo pirrônico na obra de Sexto Empírico. São Paulo: Tese de mestrado, 1992, p. 29-30 (7) Verdade e Evidência. in: SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. trad. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.82

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O tempo e o TCC

A sigla TCC causa pânico para qualquer estudante. O temido TCC é um indesejado, inimigo número 1 dos acadêmicos que estão se formando todos os anos. A maioria dos estudantes, como bons brasileiros que são, costumam deixar as suas pesquisas, leituras e escritos para a última hora. Resultado disso são as noites em claro fazendo leituras, fichamento e escrevendo seu trabalho de conclusão de curso. Finais de semanas eles estão em frente aos livros, nas lan-houses, em seus computadores, pilhados para eliminar o TCC. Se talvez escrevessem uma hora por dia, durante um ano, seu trabalho teria muito mais qualidade do que fazer tudo na pressa e "nas coxas". Muitos chegam ao último ano sem ter a noção do autor que gostariam de pesquisar e a temática a ser abordada. Culpa dos professores ou dos estudantes? Diria dos dois. Dos professores, que nem sempre incentivam a pesquisa, além daquilo que se restringe a grande curricular do curso. Dos alunos, que por vezes são acomodados, que dançam conforme a lei de Gerson, limando maiores esforços e seus desdobramentos. Uma pesquisa que poderia ser prazerosa passa a ser uma tortura. Deixa-se de viver com qualidade, de ter momentos de lazer e diversão por pura falta de planejar e administrar o tempo. Vários filósofos e doutores da Igreja, como Agostinho e Tomás de Aquino já escreveram sobre o tempo. Não se pode perder tempo, não por que "Time is money!", mas porque "Time is sacred!" O tempo é sagrado e único e não volta nunca mais. Talvez você não tenha mais aquela oportunidade de conversar com aquela pessoa ou de fazer as coisas que deveria fazer no tempo do hoje. A sabedoria do livro do Eclesiastes nos ensina: "Existe tempo para cada coisa". Agostinho especula: "Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei." Eis a questão de Agostinho: como falar do tempo, com conceitos e palavras, que nas quais nem sempre me dão uma resposta satisfatória? Como traduzir uma coisa tão grande em conceitos que não abarcam o significado todo? Posso medi-lo, posso demarcá-lo, mas não posso conhecê-lo em si. Quando tento explicar o presente, este já é passado. Quando tento explicar o futuro, este já é presente que se tornará passado. Quando tudo se torna passado, só resta a memória do que aconteceu. Se não posso abarcar todo o seu significado, posso planejar o tempo. Sempre haverá imprevistos, mas um meio eficaz de dominar o tempo é planejá-lo, já que temos esse recurso de demarcá-lo em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, décadas e séculos. Não perca tempo, não se perca no tempo... assim o tempo não te perderá...

Valéria: a representação da inocência em forma de gente

Dia 23 de Outubro, I Jornada Pedagógica na UNIP। Uma das coisas que mais me chamou a atenção, diante das belas explanações sobre a Educação e a Pedagogia na Unip, foi a história de Valéria. Uma criança, uma menina, uma mulher de 30 anos com a síndrome de Down, carrega marcas profundas de discriminações, preconceitos. Ouvi atentamente o relato do seu Pai aos futuros pedagogos. Família simples, humilde e sem o conhecimento do que vinha a ser a síndrome de Down, ao serem informados pelos médicos, após o nascimento de Valéria. Por um bom tempo, os pais de Valéria esconderam o fato para seus familiares do interior, com o argumento que a criança nascera prematuramente, e requereria cuidados mais específicos. Além de não saberem o que vinha ser tal síndrome, mal poderiam saber o que viria pela frente. E era chegada a hora de colocar Valéria na escola. A primeira, a segunda, a terceira escola... a diretoria não aceita crianças especiais, a quinta, a sexta e a sétima... a diretoria não educa crianças doentes, pois são incômodas! Tentaram a oitava e a nona e mais uma descarga impiedosa da discriminação e preconceito. Na décima, a secretária estava assinando a matricula, quando a diretora entrou e sala e perguntou o que ela estava fazendo. Ela respondeu serenamente que estava matriculando a criança. Então a diretora disparou: "Já não te disse que aqui não trabalhamos com crianças doentes!" Contrariada e resignada, cumpriu a ordem manifesta. Os pais, mais uma vez desolados, estavam indo embora, quando encontraram uma professora que os abordou. Dissera que havia escutado a conversa e que gostaria de interferir no caso. Interferiu tanto que conseguiu a matrícula de Valéria, que foi a sua aluna. Passado algum tempo, Valéria não podia mais ficar naquela escola, pois a educadora teve a sensibilidade de perceber que ela estava à frente das crianças especiais que havia ali e se permanecesse, ela poderia regredir. Estudou em outros colégios. Desde pequena, sempre se encantou com a dança, e os pais investiram. Depois de tudo o que ela passou hoje Valéria é orientadora pedagógica e trabalha com a professora, ou melhor, com a Educadora com E maiúsculo que ela encontrou em sua caminhada. Lá no auditório da Unip, Valéria foi chamada para dançar, e não disse nenhuma palavra. É que por vezes, os conceitos que insistimos ou que nos obrigam a armazenar em algum lugar no porão da mente, seqüestra os verdadeiros significados. A dança de Valéria, não me demonstrou uma dançarina exímia, uma por que não precisa, outra por que não sou crítico de dança. Límpida alma de Valéria, doce inocência, candura do alto que o mundo ainda hoje não se cansa de ignorar. Criança toda na mulher inteira, juro que eu queria dar a minha racionalidade para ter uma gota da sua inocência. Penso na família e nas crianças especiais do mundo inteiro que passam por isso que Valéria passou, mas que não conseguiram transpor a arrogância e o descaso de algumas "autoridades" educacionais que fazem tudo, menos promover o homem para além-fronteiras-de-si-mesmo. Ainda que as leis estivessem à favor das crianças especiais, os educadores e pedagogos não estão preparados para lidar com as crianças especiais. E ainda que sejam muito bons naquilo que fazem, não é a técnica que será decisiva, mas o seu coração, a sua humanidade de acolher essa criança especial como se fosse seu filho único. A história de Valéria é uma dentre milhões que ocorrem diante do nosso nariz e que passam desapercebidamente por nós. Dentre as diversas lições preciosas desse ensinamento, esta é a mais bela para a educação e o ensino: que as crianças não sejam adultos precoces e que os adultos possam trazer em si uma dose de inocência e gratuidade! Obrigado, Valéria, nem sei se terei a oportunidade de te reencontrar novamente... o que sei é que sua história encontrou morada em mim e eu já não posso mais me esquecer...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Bilhete aberto aos educadores

Caríssimos professores, educadores do Brasil; Parabéns não somente por esse dia, mas por todos os outros que se dedicaram por nós alunos, nós que, um dia, aspiramos chegar no lugar em que vocês chegaram। E não chegaram à toa: com muitas noites mal dormidas, seja pela preparação intelectual que tiveram que passar para chegar até aqui, a renúncia de seus entes amados e queridos pelas horas de estudos, a elaboração de aulas, correção de provas, trabalhos, TCC, altas incertezas entre soluços, suor e as lágrimas derramadas. Vocês que não são meros transmissores de conhecimentos, mas de certa forma, nos ensina que ainda vale a pena apostar no potencial do ser humano. A prova viva dessa verdade somos nós alunos e é bom saber e sentir que somos o objeto de vossas preocupações cotidianas! Por isso queremos manifestar a estima, o apreço, a afeição, e principalmente a gratidão que temos para com os nossos professores, formulando os votos sinceros que se realizem cada vez mais naquilo que sabem fazer de melhor: ensinar, educar e extrair o melhor de seus alunos. De um imperfeito e humano aprendiz; Ricardo Ferrara

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A hermenêutica da palavra que bem aventura

Em algum momento da infância, li numa capa de um livro de gramática a seguinte frase: " Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: 'Trouxeste a chave? ' " Era o poema de Carlos Drummond de Andrade. Depois de tanto tempo, me deparo novamente com essa frase. Eis que atravessei o tempo que me leva da infância até o dia de hoje, e essa frase não me deixou. Esqueci dela, mas trazia-a comigo. O exercício que mais me aplico é o de adentrar cegamente, surdamente, mudamente, para que a palavra elaborada possa me transfigurar. Não sou mais o mesmo depois de ter passado por ela, mesmo que não quisesse reconhecer essa verdade. Embriagado no silêncio, minha palavra pode ser profunda e experimentando a solidão, minha presença pode levar a comunhão. Contemplo o poder invisível da palavra tomada como obra de arte. Michel Guerín em seu livro "O que é obra?" nos ensina que: "Toda obra é de ultra-túmulo. Quando ascende no horizonte do mundo, ela atesta sua descida aos infernos, sua iluminação muito profunda. Devolvida à luz, ela continua a se revestir desta marca. Assim, o trabalho cumpre a obra; ele a realiza." Pois é Drummond, sua poesia desceu a recônditos mais secretos do meu ser, e por lá decidiu se instalar sem o meu conhecimento. Produziu os seus efeitos benéficos, sem que eu tomasse conta. Deixou marcas profundas de verdade e na verdade. Hoje eu sei, pois ela veio à tona e o seu trabalho realizou o ser estético da obra de arte. Descobri a beleza de sua verdade, um desvelamento de ser e loucamente comecei a viver, como se fosse o primeiro, o único e o último dia da minha vida. Martin Heidegger também experenciou isso, e em seu livro "A origem da obra de arte" nos relata que: "A verdade é a desocultação do ente como ente. A verdade é a verdade do ser. A beleza não ocorre ao lado dessa verdade. Se a verdade se põe em obra na obra, aparece. É este aparecer, enquanto ser da verdade na obra e como obra, que constitui a beleza. O belo pertence assim ao autoconhecimento da verdade. O belo não é somente relativo ao agrado e apenas como o seu respectivo objeto. Todavia, o belo reside na forma, mas apenas porque outrora a forma clareou a partir do ser, enquanto a entidade do ente. A realidade converte-se em objetividade, e a objetividade torna-se vivência." A beleza acontece na verdade e ninguém pode ficar imune à sua manifestação, quando está diante de uma obra de arte. Quero essa hermenêutica para a vida inteira!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Por que Horkheimer e Adorno querem esclarecer radicalmente o esclarecimento sobre si mesmo?

Horkheimer e Adorno querem esclarecer radicalmente o esclarecimento sobre si mesmo, pois percebem que a realidade perdeu sua verdade e transformou-se em perversão e que a verdadeira face do ser não está meramente no simples ordenamento da realidade, ao constatar que esta “dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo” (Horkheimer e Adorno 1985, p.40). O esclarecimento tem que tomar consciência de si mesmo e não ser passível de manipulação, operando “uma crítica de si mesmo a fim de libertar-se do emaranhado que o prende a uma dominação cega” Horkheimer e Adorno, 1985, p.15). Habermas (1990, P.166) apresenta o cenário trágico do esclarecimento: “O drama do esclarecimento só atinge sua peripécia quando a própria crítica da ideologia é suspeita de não produzir (mais) verdades – e o esclarecimento se torna reflexivo pela segunda vez. A dúvida estende-se então também à razão, cujos critérios a crítica da ideologia encontrara nos ideais burgueses, tomando-os ao pé da letra.” A concepção de ideologia como uma manipulação de massa, em que se engana o indivíduo, tem origem iluminista é denúncia da superstição. Na concepção hegeliana, a ideologia anuncia uma verdade sobre si que até então misteriosa, e, ao expor essa verdade, faz analogia com a sua experiência dessa mesma verdade e, desse juízo passado sobre si mesma vem à tona algo como um sentimento dramático de seu descompasso, de sua divisão. Refere-se a uma negação interna que procura resolver por uma nova atividade crítica comandada pelo seu próprio padrão de medida. A função da crítica da ideologia é questionar a verdade de um conhecimento suspeito, ao revelar sua falta de autenticidade e veracidade, conforme Habermas (1990, P.165-166): “A crítica torna-se crítica da ideologia quando pretende mostrar que a validade da teoria não se separou suficientemente do contexto de origem, que às coisas da teoria, se oculta uma ilícita mescla de poder e validade e cuja reputação se deve justamente a essa mescla.” Adorno e Horkheimer, segundo Habermas, recordam a imagem da crítica marxista da ideologia, que, partindo do princípio de que potencial racional expresso nos “ideais burgueses” e posto no “sentido objetivo das instituições”, mostra uma dialética: de um lado, empresta as ideologias da classe dominante, a aparência ilusória de teorias convincentes, de outro, oferece o ponto de partida para uma crítica, empreendida de maneira imanente, dessas construções, que elevam universal o que de fato serve apenas á parte dominante da sociedade. A crítica da ideologia interpretava na má utilização das idéias um fragmento da razão existente, oculto a si mesmo, e interpretava-se como uma regra que poderia ser cumprida por movimentos sociais, conforme o desenvolvimento de forças produtivas excedentes. Dessa forma, Adorno e Horkheimer almejam acertar as contas com o entendimento calculador que tomou o lugar da razão, que está relacionada com a totalidade, com pequena diferença entre a pretensão de validade (verdade ou falsidade) e a utilidade para a autoconservação (contém elementos de autodestruição). A razão instrumental, associou-se ao poder e abdicou da crítica, que segundo Habermas (1990, P.170) “é o último desvelamento de uma crítica da ideologia aplicada a si mesma. Esta descreve, contudo, a autodestruição da capacidade crítica de forma paradoxal, visto que no instante da descrição ainda tem de fazer uso da crítica que declarou estar morta. Ela denuncia o esclarecimento que se tornou totalitário com os meios do próprio esclarecimento.” A universalização da razão instrumental levada às últimas conseqüências implica a dinâmica de reificação elevada ao seu ápice. Livros para consulta Dialética do Esclarecimento – Adorno & Horkheimer, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2006. Discurso Filosófico sobre a modernidade – Jürgen Habermas, Martins Fontes, 2º edição

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Nos limites do ócio e do negócio

É difícil acordar para cumprir a sina do dia, quando não se tem vontade e disposição. É um impulso da cama a contra gosto. O cansaço desafia a fragilidade do corpo. Seus limites são testados e provados todo o dia. O corpo reclama, pois está sangrando por dentro. É por isso que anda faltando muita qualidade de vida. Há inúmeras vidas e raríssimas as que têm qualidade de vida. Há os que ignoram os limites da corporeidade em nome de uma estética que chame a atenção. O cuidado de si tem um efeito terapêutico, curativo, contudo é muito mais eficaz preventivamente do que quando se tenta apagar o incêndio. Isso aliado aos tempos digitais, virtuais, mecânicos e frios em lugar da presença objetiva, do toque e das afecções. Nas eras das ausências e exarcebações, Aristóteles nos ensina que a virtude não está nos extremos, mas na sua justa medida. Cuidar demais do corpo não é bom, cuidar de menos também não é boa pedida. Isso me recorda a tensão que temos que ter entre o Ócio e o Negócio. O negocio é aquilo que nega o ócio. O ócio é aquilo que nega o negócio. A parte começar definindo pela negativa, precisamos de um espaço e de um tempo nosso que possamos cultivar o ser pessoa. Precisa ser criativo, aberto ao lúdico, as surpresas e ao mistério. Isso eu chamaria de ócio. Está muito longe da perspectiva de ser um tempo sem fazer absolutamente nada. Longe de ser ausência de exercícios. O negócio é aquela caixa fechada, com regras bem definidas, que está situada no espaço do hoje que deve ser atendida no tempo do ontem. O negócio tem uma cronologia estranha para a lógica humana. É capaz de disciplinar quem tiver limites e capaz de transformar um indivíduo em um compulsivo empresarial. Nesse caso, nem tanto ao céu, nem tanto a terra, pois limites têm limites, ócios têm negócios e nos negócios, sempre há ócio criativo e lúdico a ser descoberto. Desejo que descubra e que seja bem feliz!

Embate educacional entre Estado e Família: uma Utopia para a contemporaneidade

Cada vez mais tenho percebido que a educação das pessoas tem desaparecido. Você que pega ônibus ou metrô todo o dia, sente na pele isso que estou relatando. Se a disputa para ficar sentado é grande, nem se fala então a disputa por espaços mínimos para poder ficar de pé, ou então para se segurar. Já vi de tudo: empurrões, pontapés, cotoveladas, grandes guerras por espaços curtíssimos. Fica latente perceber a subjetividade exarcebada. A pressa tomou de súbito a gentileza e a subjetividade exarcebada raptou o encontro dos olhares. Não há espaços nem para quem poderia ter a primazia sobre ele, como idosos, gestantes e pessoas especiais. Tudo em nome do Eu, tudo em nome de mim, e tudo vai ficando assim. O que vale é o bem-estar privado em detrimento do bem-estar coletivo. Cada qual olhando para o seu próprio umbigo. Esquecemos a nossa humanidade em um universo muito distante, a bilhões de anos-luz daqui. Lançando um olhar sobre a psicologia contemporânea, constataremos que nenhum ser humano é incoerente, ele é fruto histórico, rede bem encadeada de acontecimentos marcantes. Age de acordo com sua história tecida em sua existência. Fico pensando a trama que há entre o processo educativo em que fomos formados e a realidade em que vivemos. Me questiono sobre as possíveis falhas educacionais da família. É absurdo atribuir ao estado a função de educar, uma vez que a educação é primazia da família. Leve-se em consideração que a célula-mater da sociedade está se decompondo, homens e mulheres que possuem filhos, mas renunciaram a vocação da paternidade e da maternidade. A subjetividade levada até suas últimas consequências, tão em voga, massacra o indivíduo e a própria família. Se o estado não dá conta (seja por vias do inviável, seja por desinteresse) de dar cobertura à aquilo que é de sua competência, como por exemplo, transporte público quallitativo e quantitativo, muito menos devemos esperar milagres no plano educacional do ser humano. Estamos diante de um fenômeno que tomou proporções avassaladoras no nosso tempo. Não sou homem de respostas rápidas e prontas, quero entender, quero aprender, para me posicionar e agir, sem ilusões. Mas isso não me impede de pensar que devemos procurar novos areópagos da educação, da gentileza e da gratuidade. Uma dose de utopia, que em grego, quer dizer um não-lugar, um ideal, um lugar que não possua a condição empírica, não faz mal para um mundo puramente instrumental.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O labirinto do cartão de crédito

É fato consumado: o cartão de crédito se consolidou o meio hodierno de consumo. Substituiu o cheque, substitui temporariamente os apertos sazonais financeiros (ou quase sempre). Numa sociedade com fortes traços de hedonismo, consumismo e necessidades irreais, é um prato cheio para quem gosta de gastar, de consumir, de se deixar levar pela propaganda da TV, da Internet. Antes fossem necessidades necessárias, a produção gira em torno de necessidades efêmeras. É moda ser efêmero, dá status, promove uma pseudo-dignidade que engana uma multidão de incautos. Vivemos em uma crise de qualidade porque há excedentes de quantidades que precisam ser enfiados guela a baixo do povo. E o povo recorre ao cartão de crédito, de facilidade e praticidades inegáveis. Mas fique tranqüilo... o banco paga para você hoje o que você pagará mais caro para ele amanhã. E quando todo o limite for utilizado, o que fazer? É triste ser controlado pelo limite do cartão de crédito, quando as rédeas deveriam vir da própria razão humana. Nesse cenário, o inanimado ganha vida e cores reais e doma o indivíduo. Uma nova revolução copernicana acontece: o objeto se presentifica na realidade e domina o sujeito. O sujeito vira objeto e o objeto se transforma em sujeito, numa virada ontológica jamais vista. Mas nem sempre a razão tem razão, ela é irrazão quando não conduzida de uma forma sensata. Ela não é nem boa e nem má em si mesma. Depende sempre do seu sujeito... ou seria do seu objeto?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A mochila, a viagem e eu

Mochila, sempre eu a levo comigo. Levo livros, cadernos, e outras coisas mais. A vida e suas bagagens. Se não me bastasse as malas que carrego na vida, essa é mais uma. O problema sempre é as outras coisas mais. Coisas que não tem prioridade, mas que insisto em levar comigo. E a mala pesa ainda mais, juntamente com aquilo que preciso para o dia. Será vaidade? Obsessão pelos detalhes? Encurvo-me todo, mas a mala deve ir comigo. Já fiz faxinas, limpezas, já joguei muita coisa fora, mas volta e meia, pesa mais. A vida é um constante revisar de pesos. O que te pesa é realmente importante para você? Pesa revisar pesos, pois pesará os pesos supérfluos que fazemos questão de carregar. Acostumamos-nos a ser pesados e nos esquecemos de ser leves. A rotina que nós criamos nos tornou pesados e enclausurados. Seja leve e leve o necessário!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Claves nacionais em poesia tupiniquim

As margens dessa terra de Santa Cruz continuam mais do que nunca plácidas, com um povo que supera continuamente a marca do heroísmo. Nem sempre conseguimos igualdade, todavia, lutamos com braço forte para conquistá-la. A morte se enrubece de temor diante da Pátria Amada. Brasil, esse sonho imenso que aos poucos se faz realidade, em cada rosto estampado o amor e a esperança de melhores dias, alvo céu que desce ao sagrado chão brasileiro do branco, do negro, do índio, das misturas de todas as raças, faz a imagem do Cruzeiro e do Corinthians reluzirem. Tua natureza foi feita para a vitória, o teu tempo foi feito para ser imemórial! Mas deixa de ficar deitado eternamente em berço esplêndido, recobra suas forças! Contempla o sol que continuamente te faz ser um novo mundo. Avante, Florão da América, profundo é o teu céu! A graça de tuas paisagens inigualáveis, que gerações vindouras correm o risco de não verem, já foram mais contempladas e hoje pede para viver. Talvez, seria o tempo de ter glória no futuro e paz no passado, de fazer com que as pessoas sejam mais vida, para além da vida que possam dar. Mãe gentil, constituíste uma imensa família! E o que Deus mais queria, não era ser brasileiro, era que o povo brasileiro fosse inteiramente Dele!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Filosofia: Pausa e Perplexidade

Gosto de pensar que a Filosofia começa na pausa, no silêncio. Vejo quanta gente na sala de aula, querendo demonstrar o que sabe, e não saboreia a Filosofia nos seus menores detalhes. A pressa de demonstrar conhecimento sufoca o espaço silencioso da reflexão construtiva, que acontece à conta-gotas. A reflexão começa com a perplexidade com a realidade, como diria o filósofo Gerd Bornheim. Não falo de um silêncio estático e torturante, mas de um silêncio inquieto que sobrevive de indagações escondidas. Parece que o homem de hoje, perdeu a capacidade de ficar perplexo, de não se conformar com as coisas que acontecem em sua volta. Parece que perdeu a capacidade de parar e ficar consigo mesmo, sem pressa de chegar. Por isso que uma aula de Filosofia não faz efeito em mim no mesmo dia em que ela foi dada, demora um certo tempo, o tempo que essa aula demora em mim. Sinto seus desdobramentos, suas nuances. Sou formado e ao mesmo tempo inacabado. Como diria Husserl, meu limite é o infinito, minha finalidade é a infinidade. Não vou sozinho, tenho companheiros que junto comigo, desbravam a aventura de ir até o limiar da razão e descobrirem os limites da razão e o que pode ir além dela. Por isso que a minha travessia, feita de pedras, é mais feliz...

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Aula de Pneumatologia - Surto x Silêncio com o Pe. Joãozinho, via blog

1-) Como você avaliaria a “Fome” ou “Surto” do Espírito que constatamos em nossos dias, após um tempo de “silêncio” do Espírito? Acho que esse suposto “Surto” do Espírito está mais ligado ao advento da modernidade, por ocasião da revolução copernicana, na qual o o homem passa a ser o sujeito das transformações da natureza. Contudo, as mais altas tecnologias não respondem as mais profundas questões existenciais do homem. 2-) A força da pentecostalidade de um lado e a rejeição das formas de expressão intitucionalizada da religião mostra que talvez tenha chegado a tal “Era do Espírito”, predita por Joaquim de Fiore. Seria verdade? Se verificarmos o que o povo acha, constataremos que o povo não tem atração por uma religião, como um catálogo de preceitos. Eles pensam que isso tiraria a sua liberdade de ir e de vir. Então, recorrem a uma teologia da prosperidade, que em certo sentido, permeia a RCC e as Igrejas Protestantes, pois essa Teologia exalta a individualidade, em detrimento da coletividade, o milagre fácil. Como o teólogo jesuíta Libânio disse, há marcas de neo-paganismo nessas tendências. 3-) Igreja e carisma se contrapõem? Por outro lado a Igreja Católica assiste a fenômenos de massa como é o caso da RCC e das expressões religiosas midiáticas que buscam aceitação institucional e popular. Poder e Carisma estão nas duas pontas desta corda. Como você vê tudo isso? As CEBs lutam por seu lugar na ponta do Carisma. Seria incômodo ter RCC e CEBs na mesma ponta? Ou uma das duas pulará para a ponta da Igreja instituição? A história da Igreja nos ensina que os carismas floresceram no jardim da Igreja, sob os cuidados dos Papas. Não se contrapõem, todavia, para que esses movimentos de carismas específicos amadureçam, é preciso que sejam obedientes à Igreja, no sentido de dar tempo ao tempo para que a Igreja possa discernir, corrigir, aperfeiçoar, validar e apontar esse carisma como um caminho de santidade possível. Acho perfeitamente possível RCC e CEB’s atuarem em conjunto, desde que saibam que antes de mais nada, que são católicos por identidade. Cada um no seu específico e ao mesmo tempo, aprendendo com o outro. 4-) No chamado Primeiro mundo já se fala de civilização pós-cristã. A proposta ali é de uma religiosidade totalmente individual ao estilo New Age. Como pensar a ação da “pessoa” do Espírito Santo neste contexto? Ele é mais visto como uma “energia” impessoal e que deve ser dominada pela pessoa por meio de técnicas. Essa civilização pós-cristã é marcada pelas filosofias marxistas, nietchziana e a psicologia freudiana. Um materialismo interdisciplinar acentuado, com o horizonte niilista. A vida é vista sob uma perspectiva físico-química, isto é, beirando à animalidade. A voz que as pessoas mais escutam é a do seu egoísmo. Quase não há espaço para uma escuta interior do Espírito, e nem espaço para ficar em silêncio consigo mesmo. Quando há esse espaço, é porque alguma espécie de sofrimento invadiu o coração do indivíduo. Aí pode-se abrir um canal de comunicação entre o Espírito e o indivíduo. E quando esse indivíduo escuta a voz interior, ocasionado pela monção do Espírito, se recorda das palavras do Cristo Senhor, e sente a necessidade de atualizar seus atos no presente da história.

A roda contemporânea

Em um contexto de grande industrialização, globalização, o homem não se sente totalmente satisfeito com as técnicas mais avançadas, pois elas não respondem as questões existenciais mais profundas do ser humano. Isso sem contar aqueles que estão privados de tais avanços, que criam novas espécies de analfabetismos, como o digital e o tecnológico. O Papa Bento XVI fala que vivemos em uma ditadura da técnica, tudo tende a ser altamente mecanizado e informatizado. A tecnologia não é nem boa e nem má em si mesma, dependerá sempre de quem está no controle dela. Paradoxalmente, quem acaba por estar no controle é a própria tecnologia, eleita pelo homem contemporâneo a solução de todos os problemas da humanidade. Ironicamente, essa tecnologia, acaba se voltando contra o próprio homem. A necessidade de tudo informatizar e mecanizar acaba gerando múltiplas exclusões de demanda humana no mercado. Se a revolução copernicana foi caracterizada pela supremacia do sujeito em relação ao seu objeto, hoje ocorre a olhos vistos a revolução tecnológica, na qual a tecnologia desenvolvida pelo homem assume o lugar do sujeito e o homem passa a ser seu objeto. Muito pertinente e oportuna é a tese de Adorno e Horkheimer na qual o Mito se transforma em esclarecimento e o esclarecimento se volta ao mito. Quando o se tenta desmitologizar a natureza, essa forma de esclarecer acaba por se tornar mito novamente, grosso modo. A contemporaneidade tem se pautado muito nesses aspectos.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A chácara e a avó

Ontem, 09-08, dia dos pais, fui à chacará em Pirituba. Nem de longe se parece com aquela chácara daqueles bons tempos de infância. Tá certo, as coisas mudam, mudam muito mais do que poderia imaginar ou desejar. Tem os seus pontos positivos e negativos. Olho ao redor, não vejo mais o verde que alegrava meus finais de semanas, não vejo aqueles babuzais dos tempos de pipas, não vejo nas a jaboticabeira com sua generosidade trasmudada em frutos. Ah, sim, aquela jaboticabeira...que às vezes debaixo dela eu ficava para descansar, ou que por vezes subia para olhar de um lance só toda a chacara. Já não existe mais. Somente na alma, em um tempo onde a traça não pode corroer. Quando cheguei, me deparei com aquela portinha de madeira, que antes era azul e que hoje está pintada de bege. Lembro-me das vezes que chegava, que a minha avó Haydée me esperava, debruçada gritando de lá de cima da casa: "Cado, que saudade de você!" Mas vi que ela não estava lá. Por um momento, parei para esperar que viesse e me recordei que me esperavas na portinha de madeira, por aquele farto café da manhã, com sabor de família, simplicidade, como se estivesse no interior. E realmente estava. O almoço, a tarde conversando, passando a limpo a intimidade em família. Me lembrei que me esperavas no hospital, na UTI para que rezassemos o pai-nosso, a ave-maria, para que horas depois, se despedisse do tempo. E por isso que penso que não basta ser parente, é preciso ser amigo, intimidade que não me mede com palavras, mas com olhares que sabem fazer a leitura de uma alma. Invoco Mario Quintana: "De que me adianta os livros, se ainda não aprendi a ler as pessoas que estão ao meu lado?" A saudade é grande, mas a gratidão também é. A segurança de ter passado na vida das pessoas e ter vivido com intensidade cada momento com elas, é o segredo que preciso aprender cada vez mais. As pessoas também. Não adianta violentar o ser depois que a morte nos ceifa alguém especial e amado. É sintoma de que não houve um aproveitamento qualitativo. O amor no qual amamos as pessoas não nos autoriza transformá-las em propriedade particular. Pelo contrário, ensina-nos que o amor passa pelo crivo da liberdade, mas que deve ser vivo nos detalhes, intensamente, entretanto, as pessoas que amamos não nos pertencem. Indo mais longe, nem a nós mesmos nos pertencemos! Tive a experiência de amar minha avó que não mais encontra-se no tempo. Mas está no meu coração e nas recordações mais lindas que me fizeram ser homem e ser pessoa. O verde pode ser plantado novamente na chácara, mas a ausência dela povoa meu coração, mas não é mais forte do que a certeza de que ela vive no pensamento de Deus!

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Apresentação do CD Não precisa dizer nada

O amor é possível nos limites, na precariedade das situações, é o inverso da minha lógica, contradição da própria contradição. Um olhar me basta para retornar a esse instigante sentimento: a palavra que não prende o que significa, o valor que não dá o seu preço. Paisagens dos campos parecem acenar ao horizonte que em mim existem paisagens desconhecidas por trás dos montes. O amor não é mero verbo, na boca dos artistas e dos cantores, aproxima as pessoas com arte, no encontro e as suas cores. Dos encontros que são partidas e partidas que são chegadas sou verso de uma canção que me envolve, que me embala...

O eterno tempo que passa

Interessante pensar que alguns instantes que possuem maior repercussão que outros nos trazem uma idéia do que poderia vir a ser o eterno, o que não passa. Há algo no tempo que passa, que não passa, seria a idéia do eterno movimento, de que o passado nunca será o mesmo, que o presente nunca será o mesmo e que o futuro nunca será o mesmo. Ainda assim, há momentos eternizados no fundo da alma, que não são meros arquivos perdidos no tempo e no espaço da memória. Esses momentos ainda que ancorados no passado são estímulos para o presente e poderá sê-lo no futuro. A gênese das nossas alegrias e conquistas, fracassos e mágoas pululam diante dos nossos olhos, resta apenas saber se vale a pena prosseguir com tais circunstãncias ou abandoná-las e abrir-se às possibilidades do dia de hoje.

Diálogos da vida e da morte

Ultimamente, tenho pensado sobre o sentido da vida e no sentido da morte. Dormimos e acordamos. A dinâmica da respiração. As contrações do coração e dos pulmões. Processos nos quais estamos diante o tempo todo e quase não damos importância. No plano vivencial, vida e morte não são condições irreconciliáveis, dado que aceitando ou não, convivemos com essas duas realidades. O filósofo estóico Sêneca nos instrui a cada dia sermos organizados como se fosse o último e concluísse a nossa vida. Chama-nos a atenção de que a qualidade de vida é mais decisiva para a nossa felicidade, que não é isenta de conflitos e tristezas, do que a vida na perspectiva cronológica do passar dos anos. Olhar o mundo como se fosse despedida, para fazermos coisas melhores do que já fazíamos e sermos mais do que estávamos acostumados a ser, no sentido de plenitude da existência. São tantas as pessoas que encontrei e que já partiram. O tempo em que vivi com elas jamais será destruído. Trago um Kairós dentro de mim, um santuário feito de memória e recordações. Todavia, estou no Khrónos, no eterno devir, nas infinitas possibilidades para vida, que ao mesmo tempo afeta meu plano vivencial. Como Francisco de Assis, chamo a morte de irmã e vivo no ventre da mãe vida. O Mestre de Nazaré, aquele que tem a eternidade no olhar e no coração ensinou que "se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto." A condenação de não morrer é o cárcere da solidão eterna, dado o fechamento para as possibilidades da vida. A semente que não vingou, não pôde ir além de si mesma para dar frutos. Certamente, não é nem um pouco agradável ter uma experiência de morte, e que o diga a semente. Quando ela morre, abandona aquela forma de semente, fixa raízes na terra, cresce em direção ao alto e transborda em frutos. Torna-se uma árvore frondosa. Seus frutos trazem em si sementes da vida e deram mais vida a alguém, mesmo passando pela experiência da morte, da transformação. A mesma comparação aplica-se às alegrias e tristezas da vida. Sofremos com algumas tristezas, para que nossas alegrias sejam inteiras e múltiplas. Isso me faz lembrar muito de Ricardo Reis, um dos personagens de Fernando Pessoa: "Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa, põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive." Tiro a lição que humanizar-se é um trabalho para a vida toda, que não pode prescindir dessas experiências de morte. Uma ostra deve ser ferida para produzir pérolas. A humanidade passa por essas experiências para descobrir a possibilidade de ir além de si mesma, para que possa ir fundo à razão de sua existência e se espantar que a vida vive e a morte morre, afinal, o espanto, a admiração, o silêncio frutuoso que precede à palavra falada, escrita e cantada é o alicerce da verdadeira filosofia, que é humilde, não se arroga sábia, todavia, busca a sabedoria e como Sócrates, sabe que nada sabe.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Curiosidade e o Mal em Agostinho

Se parar para pensar e analisar a vida na sua totalidade, verá que ela é movida pela curiosidade. O ser humano em sua consciência e inconsciência busca algo que lhe dê sentido. Usa e abusa de sua curiosidade e muitas vezes não sabe por que busca e nem sabe o que busca. Agostinho em seu livro Confissões, trabalha o tema da curiosidade, de como ela pode ser utilizada de maneira errada. A questão que o filósofo coloca é que há uma “vã curiosidade” que se disfarça de conhecimento e ciência, todavia, não passa de uma paixão de conhecer tudo. Note que há uma diferença entre conhecer tudo e conhecer o todo. Não é possível conhecer tudo, em todas as suas peculiaridades. Contudo, é perfeitamente possível conhecer o todo, possuir uma visão geral do mundo. A critica agostiniana precisa ser entendida a partir de sua metodologia de conhecer. É um caminho que parte daquilo que é exterior (realidade) para o interior (coração no sentido de intimidade) e que visa o superior (Deus). A curiosidade sadia passa pela intimidade, pelo desejo de se conhecer melhor. Agostinho irá explicar que o mal entrará no mundo por essa “vã curiosidade”. O mal irá ser encarado como uma privação do ser, pois Deus criou tudo o que é bom e Nele não há mal e nem há a criação do mal por parte Dele.Esta questão será esclarecida pela graça. A graça ensina o homem a aprender a vontade de Deus e as suas ações de uma maneira interna, dentro de sua intimidade.Se por um lado, o pecado original foi herdado pelos homens de uma maneira interna, pela “vã curiosidade”, a graça também agirá de maneira interna pela intimidade. Cuide de sua curiosidade, procure saber o porquê de sua busca e boa estadia no mundo com as pessoas de seu tempo!

Re-significar o amor pela gratuidade

O amor para ser realmente o que ele é, precisa exteriorizar-se a partir dos atos. Em um mundo que "ama muito tudo isso", não sabe o que é amor, não sentiu esse amor e diz que ama mesmo assim e também não sabe dizer o que é tudo, então não é sincero, pois a sabedoria da Sagrada Escritura nos ensina que só se ama aquilo que se conhece. A "semântica do amor" está tão desgastada que por qualquer coisa se diz que ama, esquece o verdadeiro significado do amor: a gratuidade. Dar-se, sabendo que nem sempre haverá retorno para este amor. Então vem a pergunta, por que amar? Porque o coração humano foi feito para amar e ser amado, porém muitas vezes pode acontecer de amar sem receber retorno, e pode acontecer de ser amado sem querer amar. Outra questão provocativa: Diante disso, ainda vale a pena amar? Parece que diante das tentações capitalistas, somos sempre tentados em querer descobrir utilidade, compensações no amor. Só vale a pena amar se o amor estiver significado na gratuidade, senão será tudo, todavia, não será amor.Re-significar o amor pela gratuidade, faça a tua parte, e o amor não será mero verbo, mas práxis salvadora!

A ditadura do relativismo

Na missa "Pró-Elegendo Pontífice" celebrada na Basílica de São Pedro no Vaticano, o cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento XVI, denunciou a ditadura do relativismo com precisão e lucidez. Uma precisa e triste constatação.Os valores tradicionais cristãos, que foram passados anos a fio de geração a geração se encontram como que ridicularizados na sociedade atual.O frívolo, a trivialidade adquirem status de virtudes absolutas, enquanto os valores indicados pela Igreja adquirem o status de um mau a ser eliminado a qualquer custo.Talvez aqui está uma chave de leitura possível para entendermos a expressão do papa: a crise da sociedade contemporânea necessariamente é uma crise de valores e da moral.A família está sendo reduzida ao aspecto jurídico-social em detrimento da benção do matrimônio dada pela Igreja. Sendo a família a célula-mater da sociedade e se ela está mal, logo a sociedade também está mal. Não é a toa que neste tempo tanto se fala de stress, depressão e solidão. A eficácia profissional está acima da ética moral e profissional, o trabalhador que se entrega de corpo e alma ao seu ofício, nem sempre é recompensado devidamente por seu esforço honesto. As pessoas estão como que em um envoltório virtual, msn, orkut e mesmo próximas uma das outras, não se rendem ao encontro real e pessoal. Em pleno século XXI a ciência gaba-se em ter colocado o homem na lua, de realizar pesquisas com células-troncos embrionárias, porém com muito recursos disponíveis , a tecnologia não apontou uma saída razoável para a fome, a desnutrição, os impactos ambientais e outras mazelas do capitalismo e do socialismo. São estes e outros produtos da pós-modernidade: era dos excessos, da intolerância, do neo-paganismo, do niilismo (do latim nihil: nada), da desumanidade e sociedades onipotentes e vazias de Deus. Como dar uma resposta à altura em meio a tal relativismo reinante? Penso que tudo começa com nossa identidade de cristãos, coerência com os valores que carregamos e a práxis é o que mais anda faltando em todos os segmentos da sociedade contemporânea, e não menos com nós cristãos. E uma sociedade não pode ser coerente se rejeita os valores que a moldaram.