sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Rumo ao eterno horizonte

No entardecer desse ano que se passa fica muito do que sou. Nos dias se espanharam as lascas existenciais. Elas ficaram em todas as pessoas nas quais eu pude encontrar. As pessoas que me encontraram também deixaram suas lascas existenciais em mim. Umas fizeram acender uma luz, trouxeram seus candelabros e eu trouxe a lenha. Tal qual a lareira em tempos de outono e inverno, o encontro com os outros me mostrou eu mesmo. Aos poucos sou gestado nos encontros. Outras trouxeram fel e vinagre. No amanhecer do novo ano que chega vou descobrir o que poderei ser! Se a âncora da saudade que, às vezes pesa, me empurra para o passado a baixo, a possibilidade do hoje me impulsionará para um horizonte que a minha vista ainda não pôde abarcar. Fui feito para a história e a história foi feita para mim, somos inseparáveis, andamos de mãos juntas pelas cidades à noite, ruas desertas e madrugada a fora. Trago também uma pequena eternidade dentro de mim, às vezes não cabe dentro de mim, às vezes parece que foi feito sob medida, às vezes é inadequado, hóspede indesejado. Pulsa e eu repulso, quando pulso para que repulse, buscando sobreviver, buscando não apenas passar pela vida, mas existir, persistir e eternizar-me na existência. Sou inadequado, mas não condenado pelo tempo que se derrama diante dos meus olhos. Ainda sou aquele menino assustado, que olhava da janela de casa, espantado com o movimento da rua. Sonho as possibilidades que a vida me dá para sonhar, sonho até mesmo quando não há motivos para sonhar. Por um momento, dou por mim, me vejo nesse corpo, nessa vida, absorvido na magnitude desse mistério inefável. Sou um pequeno mistério aberto ao mistério da infinitude. O sopro divino da vida ressoa em mim e não fui eu quem quis assim, eu só aprendi a ser assim. Continuo sendo pequeno, não me esqueço de onde vim, mas os meus olhos ainda estão fixados no horizonte alaranjado, quando concilia dia e noite de uma forma magistral. Eu te conheço, horizonte, desde criança, quando empinava pipa, e eu te venerava, esquecia de mim mesmo. Como um oráculo de Delfos, eu te consultava, te fazia perguntas sem palavras, para descobrir algo de Deus, de mim e de ti. Respondias-me com a tua regularidade imutável: mudavam-se o tempo, o clima, a que chuva visitava o chão da terra sedenta, o vento que percorria tua glória espacial para refrescar a humanidade, e tu sempre permaneceste. Meu horizonte, que seria de mim sem você? Meu amor eterno, onde descanso meus olhos, voz, coração e alma. A tua solidão fecunda as ausências da minha presença e deixa um lastro da saudade na alma e um brilho inigualável nos olhos meus. Remete-me à geografia da alma, em regiões selvagens inimagináveis, mata virgem, que terei que enfrentar. Mas e o medo de enfrentar o desconhecido? Dá mais medo investigar as regiões mais desconhecidas da alma, do que as regiões desconhecidas do mundo. Vou somente porque tenho o horizonte. Vou tentando me equilibrar na linha do horizonte. Vou com o horizonte, com a história, com o que sou, com o que não sou e o que poderei ser! Eu vou e você?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Música comercial e conteúdo: esta química é possível?

Escute alguma rádio por aí e você vai se deparar com a chamada Música comercial: letra curta, rima na maioria das vezes pobres e vazias de significados, e melodia que gruda na cabeça da gente. Antigamente, os compositores e os trovadores da boa música popular brasileira se importaram mais com o conteúdo a ser transmitido, do que a exposição de sua imagem. Faziam músicas que nos faziam sonhar, sem sair do chão. Cito alguns exemplos das músicas seculares: O que cantam as crianças, gravadas pelo grupo infantil A Turma do Balão Mágico (Que canto mais lindo que vem pelo ar, Vem vindo de todo lugar, Que canto mais lindo que brilho que luz, Encanta me abraça seduz), Caçador de mim gravada pelo Milton Nascimento (Por tanto amor, por tanta emoção, a vida me fez assim, doce ou atroz, manso ou feroz, eu caçador de mim), Seguindo no trem azul gravada pelo Roupa Nova (Confessar, sem medo de mentir, que em você, encontrei inspiração, para escrever...). Você já deve ter escutado essas músicas. Há beleza no conteúdo e na melodia. A boa música é aquela que nunca esgota os bons significados da bela mensagem. Não preciso citar os exemplos péssimos que há por aí! Já basta a indústria da mídia que há por trás desse tipo de música, pois também há nicho de mercado para essa modalidade. A letra e os significados que se desdobram dela devem voltar a ter primazia sobre a melodia. Nunca escrevo para mim mesmo, escrevo para alguém diferente de mim. Devo escrever para que as pessoas pensem, para que reflitam e questione. Há bastante músicas para pular, para chacoalhar, poucas para fazer refletir e calar fundo no coração de alguém. A música tem um papel formativo gigantesco no mundo hodierno. Forma mentalidades, forja costumes e reconfigura perspectivas, para o bem e para o mal. A música tem um poder terapêutico enorme, a palavra trabalhada, bem vivenciada quando chega ao homem, tem o poder de educá-lo aos valores humanos. Quando é somente um jogo de palavras, ou retórica, pode ocasionar a relação de dominação e alienação. A melodia também traz em si muitos significados. A melodia nos tempos medievais, principalmente o canto polifônico e o canto gregoriano, se caracterizavam pela regularidade, havia um tempo alto e um tempo baixo, bem definidos, significando a dicotomia entre o tempo e a eternidade. A música pós-moderna é caracterizada, sobretudo, pela mistura de sons, ritmos, supõe o não-definitivo, o não-permanente, o transitório, o embate do homem com sua realidade. Minha modesta opinião, perfeitamente conciliável a música comercial e os bons conteúdos, sejam eles sobre o amor, sobre a cultura, sobre a religião, sobre o encontro humano. Mas que elevem-se os significados, que se elevem a palavra elaborada que edifica, que constrói pontes, que desate os nós e Procuram-se novos compositores dos novos tempos, que façam melodia e letra que levem o meu povo sonhar, pensar, refletir!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Questão XVI da Suma de Teologia – A verdade em Tomás de Aquino - A verdade está apenas no intelecto? [Utrum veritas sit tantum in intellectu]

Para a objeção da tese de que a verdade estaria somente no intelecto[1], Tomás utiliza os argumentos de Agostinho em Solilóquios rejeita a tese de que o verdadeiro é aquilo que se vê, tomando o exemplo das pedras que estão debaixo da terra são falsas, pois não poderiam ser visualizadas. Também rejeita a tese de que o verdadeiro é o que aparece como tal ao sujeito[2] que conhece, se este quer e pode conhecê-lo. Ao justificar que a coisa[3] está inacessível aos sentidos não pode ter estatuto de verdade. Assim, infere-se que a verdade não estaria para o âmbito do intelecto, mas para sim da coisa. A conclusão que se chega é que a verdade manifesta-se, por assim dizer, conforme o conhecimento da coisa. Parece ser o caso de afirmar que a verdade não ter dependência de um sujeito que a conhece, e seria essencial dizer a origem da verdade no conhecimento, ou seja, nas coisas. O equívoco dos antigos filósofos foi considerarem que a manifestação de uma entidade[4] é necessariamente a verdade, ao passo que, sua não-manifestação configuraria condições de não-conhecimento. Aristóteles, citado por Tomás, afirma nos Primeiros Analíticos: “o que faz que uma coisa seja tal o é mais do que ela.”. O Filósofo coloca em evidência a manifestação da entidade em relação à sua própria existência, no sentido da manifestação perpassar seu âmbito existencial. O fato da coisa ser ou não-ser está relacionado com uma opinião verdadeira ou falsa. Assim, a verdade se encontra mais nas coisas do que no intelecto. Tomás, em sentido contrário, recorre à Aristóteles, que afirma em IV Metafísica que “o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas no intelecto.” Tomás sugere a seguinte solução: “Assim como chamamos bem[5] [Bonum] àquilo que tende o apetite[6] [Appetitus], chamamos verdade [Verum] àquilo que tende ao intelecto [Intellectus].”[7] Tomás explica que há uma natureza do bem, o que não falta ao ser que se dirige ao apetite, uma inclinação natural que abarca tanto a jurisdição espiritual, quanto a material, e é irreprimível, uma lei natural que não pode ser simplesmente ignorada, anulada ou destruída. Essa naturalidade também ocorre com a verdade que tende ao intelecto, é através dele que se torna possível o conhecimento dos universais e a essência das coisas. A coisa conhecida pode nos remeter ou ao intelecto por si, ou por acidente. Quando é pelo intelecto, significa que esse depende conforme o seu ser. Quando por acidente, trata-se ao intelecto que a torna cognoscível. Tomás cita o exemplo da casa, que remete por si ao intelecto de seu artífice e simultaneamente por acidente ao intelecto, na qual não há relação de dependência. Todavia, Aquino faz a seguinte ressalva: “Ora, o juízo [Iudicium] sobre uma coisa não se faz em razão do que lhe é acidental [Accidens], e sim do que lhe é essencial [quod inest ei per si].”[8] No plano do discurso, uma coisa pode ser considerada verdadeira conforme a relação com o intelecto de que depende. É é por esse aspecto que as produções artísticas são verdadeiras no que tange ao intelecto: A casa corresponde à forma contida na mente daquele que a concebeu. Então “uma frase é verdadeira [Oratio Vera] quando é o sinal [Signum] de um conhecimento intelectual verdadeiro [Intelectus Veri].”[9] Isto pode ser explicado da seguinte maneira: as coisas naturais são verdadeiras à medida em que se assemelham [Similitudinem] às representações [Specierum], localizadas na mente divina. Tomás conclui que: “Assim, a verdade [Veritas] está principalmente [Principaliter] no intelecto [Intellectu], secundariamente [Secundario] nas coisas [Rebus], na medida em que se referem ao intelecto, como a seu princípio [Principium].”[10] O verdadeiro identificado como um transcendental sugere a temática essencial de que Deus não é somente identificado como a causa do ser e de todos os entes criados, mas Ele os causa formalmente por seu conhecimento. Logo, o ente em si é inteligível e um objeto também para os intelectos, que na qual não tem acesso a eles. O ser não pode ser redutível à inteligibilidade, pelas perspectivas do inteligente criado e a do intelecto divino. Não se reduz a esses aspectos e nem acrescenta à inteligibilidade. Tomás considera que a verdade possui diversidades. Considera o que diz Agostinho em Da Verdadeira Religião: “A verdade é aquilo pelo qual é manifestado o que é”, e “A verdade é a perfeita semelhança com o princípio, sem nenhuma dessemelhança”, Hilário, citado por Tomás: “O verdadeiro é a declaração ou a manifestação do ser”, Anselmo citado por Tomás: “A verdade é a retidão que só a mente percebe” e Avicena, citado por Tomás : “A verdade de cada coisa consiste na propriedade do seu ser que lhe foi conferido”. Tendo em vista de que o verdadeiro está formalmente no território do conhecimento, está como conhecido. A concepção de ser verdadeiro, pela ótica da coisa, corresponde a ser aquilo a que se deve conformar a inteligência que conhece. É a partir dessa idéia de conformidade que a concepção de verdade ganha consistência. Quem conhece, sabe que pode conhecer. O que Tomás quer mostrar é que o intelecto é o que origina a verdade, entretanto, a verdade não depende somente do intelecto. E ele faz isso a partir da analogia entre verdade e bem, partindo do princípio de duas faculdades da alma, a saber: intelecto e apetite, aprofunda a relação entre coisa (acidental) e intelecto (essencial). Assim, a verdade que está no intelecto está intimamente relacionada com a relação coisa-intelecto. [1] O intelecto é a faculdade pela qual um ser espiritual conhece o universal, o imaterial, a própria essência das coisas. Essa palavra não é exatamente sinônima de inteligência: ela não significa apenas a faculdade, mas uma certa qualidade. Ela não traduz, entretanto, aquilo que Sto. Tomás denomina mens, que engloba o conjunto das faculdades espirituais e significa até mesmo, frequentemente a própia alma, enquanto espiritual e princípio de toda atividade intelectual. O intellectus pode significar também o simples e imediato olhar da inteligência. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Intelecto” [2] Na linguagem moderna, o sujeito real é considerado sobretudo do ponto de vista psicológico e reflexivo. Trata-se então do sujeito consciente e livre que Tomás chama de pessoa. A oposição sujeio-objeto não aparece em seu vocabulário, mas sim em seu pensamento. Para ele, tudo aquilo que é de ordem da consciência comporta essencialmente uma orientação para o ser (que ele chama de intencionalidade) que faz dele seu objeto. Mas, antes de ser consciência, o sujeito é ser e como tal subsistente em si mesmo. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Sujeito” [3] No uso que faz Sto. Tomás, o sentido da realidade (coisa = res = realidade) deve ser frequentemente tomado em toda a sua força. Opondo a coisa ao objeto pensado e tornando-a um além em si mesmo irrepresentável da representação, Kant faz o leitor de Sto. Tomás tomar consciência da força do realismo que possui para ele o conceito de coisa, ou melhor, de res. A res é o real e é esse real que o pensamento conhece, em sua própria realidade. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Coisa” [4] O ens, ou ser, a coisa existente, aquilo que exerce o ato de existir ou que é concebido como podendo exercê-lo. Frequentemente, Sto. Tomás o denominará substãncia, sujeito, supósito. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Ser”. [5] Traduz-se frequentemente por bondade esse aspecto do bem (do ser bom), inclinando-se por si próprio para um apetite que tende para ele (e a fortiori quando essa inclinação é voluntária). A distinção entre bem e bondade não se encontra, entretanto bem delineada na terminologia latina. Enquanto atrativo e enquanto termo da inclinação, o bem identifica-se com o fim, e o bem total, infinito, que é Deus, com o fim ultimo. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Bondade” [6] O conceito de apetite em Tomás de Aquino é muito diversificado e vasto. Abrange tanto o apetite natural que significa a inclinação do sujeito para o objeto de sua conveniência, ou seja, o bem, quanto o apetite elícito que é motivado pela percepção do objeto, juntamente com sua conveniência ao sujeito, ou seja, manifesta-se de uma determinada faculdade como sendo sua própria atividade. Cf. Joseph Nicolas. Vocabulário da Suma Teológica. Verbete “Apetite” [7] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [8] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [9] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I [10] Tomás de Aquino. Suma Teológica. I, XVI, I

Eis o verdadeiro Natal

Deus mandou Jesus para os homens, e os homens não o receberam. Ornamentaram as suas casas com os enfeites natalinos. Mas o seu coração não recebeu a Luz vinda da Luz. Prepararam a grande festa, o grande banquete, chamaram a todos, mas expulsaram a motivação divina que se fez carne! Pensavam que Ele viria cortejado por uma multidão de anjos da mais alta dignidade, foi recebido pelos humildes, pensavam que nasceria em riqueza abundante e suntuoso palácio, foi concebido na estrebaria mais humilde da cidade de Nazaré. A história humana nunca mais foi a mesma, foi dividida entre o que se passou antes Dele e o que se passará depois Dele. Entre e acima do antes, do agora e do depois, Ele sempre estará entre nós! Jesus, Deus de Deus, Luz da Luz, Sol eterno que venceu a madrugada da solidão, Rosto divino do homem, Rosto humano de Deus, como gostava de dizer o saudoso João Paulo II. O eterno ficou tão próximo que eu o posso tocar e posso sentir. Posso fazer o bem sem olhar a quem! Toque o mistério sem mesmo entendê-lo! Eis o verdadeiro Natal que acontece todos os dias diante de nós e que passa batido...

Impressões dezembrianas: descanso e confrontos

Dezembro, mês do alívio, do repouso merecido, depois de ter combatido o bom combate durante o ano inteiro. Tempo de retrospectivas, de descer até os porões da alma para averiguar o que deixamos por lá. Muitas tranqueiras? Muito lixo? Tempo de esvaziar... Acumulou muita coisa nova e boa esse ano? Mas jogou no subsolo subjetivo. Adiantou alguma coisa? Mais tarde, quem sabe nos anos vindouros também se tornará lixo que cairá na memória do esquecimento. De certa forma somos aquilo que cuidamos... ou aquilo que descuidamos. Nossas prioridades que não são tão urgentes assim, e as coisas adiáveis que insistimos que são para ontem. Tempo de reflexão, tempo de esclarecimento. Momento de enfrentar-se, sem medo do que você poderá encontrar em você mesmo. Haverá surpresas? Sim! Agradáveis ou desagradáveis? As duas! A constituição de uma subjetividade que não deva em conta o processo do vir-a-ser, da reflexão apurada consigo mesmo, corre sérios riscos de tornar-se massa amorfa misturada na multidão. É tão fácil deixar de ser humano sem mudar de espécie... mas fácil ainda, na minha mente, transformar os outros naquilo que eu quero que eles sejam. Em que melhorei e em que piorei? Cuidei mais de melhorar a parte profissional e esqueci a parte humana? Da formação do ser pessoa,não podemos nos descuidar um só segundo। É uma tarefa elevada ao infinito, sempre há o que fazer. Para momentos únicos, reflexões únicas! O último mês do ano já escapa entre os dedos, com ele vai uma história. Deixe que vá, não aprisione o que deverá necessariamente passar. Abra-se ao novo!