segunda-feira, 19 de julho de 2010

Amizade em Cícero

No universo grego, amizade equivalia mais a uma solidariedade política do que relação afetuosa entre pessoas. Para Cícero, a amizade reúne em si mesma uma abundância de bens; para onde for, você a encontra; em parte nenhuma ela é excluída, jamais é inoportuna, nunca é incômoda, de maneira que não nos servimos tanto da água, nem do fogo, quanto da amizade. Cícero enumera 12 regras básicas para a amizade, que foram concebidas no contexto de desavenças civis que impunham opções existências. São elas:

1-) A amizade é um fato natural

2-) A amizade pode existir somente entre sábios-virtuosos

3-) A amizade é superior ao parentesco

4-) A amizade é gerada (e preservada) pela virtude

5-) A amizade ilumina e alegra o futuro

6-) A amizade não é fundada nem no prazer nem na utilidade, mas no amor

7-) Aos amigos não é permitido pedir favores contra a moral

8-) Com os amigos deve haver “comunhão de cada coisa, de pensamentos e de vontades, sem qualquer restrição”

9-) Ao fazer amizade é preciso prestar muita atenção de modo que “não comecemos a amar alguém que um dia talvez cheguemos a odiar”

10-) Mas, se por qualquer infeliz e inevitável motivo, fosse preciso desfazer as amizades, então devem ser dissolvidas “soltando pouco a pouco as relações.”

11-) A amizade se funda na verdade, por isso, entre amigos são de dever admoestações e repreensões

12-) A força da amizade “consiste nisso, fazer com que muitas almas se tornem quase uma alma”.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O prazo de validade das relações contratuais humanas

Sou um ser em constante busca. Na busca me encontro, me conheço, me reconheço, na busca também me perco e desisto. Insisto com coisas, circunstâncias, pessoas, amigos, desisto de coisas, momentos e pessoas. Ora insisto comigo, outrora me demito. Contrato-me novamente. Assim também faço com as pessoas: busco, encontro, conheço, aprofundo, amo, odeio, fico perto, fico longe, sinto saudade, sinto sufoco, sinto alegria, sinto tristeza, choro não sei de quê e nem por que. Demito pessoas, contrato indivíduos. Minhas relações mais parecem contratos com prazo de validade a vencer. Renovo se me convém, descarto se não posso tirar mais nada dali. Vivo avaliando quem me interessa, até mesmo quem não me convém. Estabeleço tábuas de valores para coisas e pessoas a partir daquilo que elas podem me oferecer e acrescentar. Até digo que isso é ter princípios, que é ter berço, que é ter educação. Digo até mesmo que as religiões ensinaram isso. É a famosa lei de Gerson que preconiza que de tudo é preciso tirar vantagem. O prazo de validade das relações perdura de acordo com as possibilidades de cada qual. Todos nós somos culpados, até mesmo quem vos escreve. Em tempo de Brunos, de Macarrões, Bolas, Elizas, é tempo de repensar as relações que queremos para nós. Amigos gratuitos ou úteis... Namoros de fins estéticos ou de corpo, alma e coração... Casamentos fabricados com pensões já previamente determinadas ou daqueles que uma vida ainda é pouco para serem felizes e viverem tudo o que é intenso nessa vida. Relações como estas estão na ponta da caneta, mas longe do coração!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Angústia: um passo para o suicídio, um passo para a realização

Angustia-me querer ser alguém. Angustia-me o fato de que não sou aquilo que gostaria. Entre o que fui, o que sou e o que serei há uma linha coerente que interliga passado, presente e futuro. Estou inteiramente tecido nesta costura existencial. Mas essa linha coerente da existência é descontínua, muito semelhante a dinâmica da respiração e das batidas do coração. Intervalos fortes e brandos que vão se sucedendo e que se renovam sem deixar de se enternecer. Sou tecido de possibilidades reais e possibilidades potenciais, consolidação daquilo que foi possível, que ainda não passa se uma mera possibilidade. Entre a presença e a ausência do ser, emerge a angústia. Escolhas, hesitações e indecisões fizeram com que eu fosse o que fosse para ser o que posso ser. Que escolhas são escolhas, isso é evidente. Mas que hesitações e indecisões também são maneiras de escolher, isso já não é tão claro. Kierkegaard dizia que a angústia surge das possibilidades. A escolha é escolher uma coisa e negar a outra. Traz uma dialética do que se escolheu e daquilo que se rejeitou. Na indecisão, de certa, maneira, opto pela paralisia no processo de escolher. Sou a escolha que faço, que traz em seu contrário aquilo que rechaço. Escolho da mesma maneira de como sou escolhido. Angustio-me ao escolher, angustio-me ao ser escolhido. Não se escapa da existência sem passar pela angústia. Por isso é que muitos chegam ao suicídio, pois não souberam lidar com a angústia. Quando muitos optaram pelo suicídio, fizeram por escolha e também por fuga de outras escolhas, dilemas sempre presentes. Isso é angústia ao quadrado. O deserto da angústia é um evento universalizante. É seguir escolhendo, passando por angústias, mas escolhendo autenticamente o que vale a pena na vida. Talvez, uma brecha para pensar a realização humana esteja diante de nós.