sábado, 17 de dezembro de 2011

Sabedoria artesanal em retalhos de finitude

Sou amigo da sabedoria. Mas sábio, ainda não sou. Onde a sabedoria vai, eu vou atrás. Ela é maior do que eu. É misteriosa. Seus frutos são doces. É gota de orvalho na terra seca da alma. Ela vai ao encontro, porque se deixa encontrar àqueles que a procuram, mas não perde um só momento a capacidade de fascínio, de beleza. Sua beleza é fascinante, mas não efêmera, fugaz. É sedutora, mas não alicia. É misteriosa, mas todos podem apreciar. Traz encanto, mas não faz prisioneiros. Seu brilho cintila no tempo, se oferece aos homens. Mas nem todos estão dispostos para acolhê-la. A sabedoria é o avesso da utilidade. Está absorta na significação. No exercício da arte, a persigo. A tentação de buscar a palavra. A frase de efeito. Defeito que se põe contra mim. Logo noto que não é uma técnica. Não é conhecimento teórico. É a vida em movimento. É inteligência que me mostra horizontes, ângulos que ainda não pude enxergar. Planto as madrugadas para colher manhãs mais felizes. Ofereço os frutos ao tempo. Oferto o que sou ao crepúsculo da tarde. Sim, o tempo é minha cabana na história. Choro minhas dores mal resolvidas. Lágrimas que não voltam. A água que deu curso de uma história, de uma vida, e que agora, estão presente em meu rosto. Choro pelas presenças que se ausentam do tempo. Persigo a fé quando tenho somente motivos para não tê-la. Ávido pelas respostas, quando a pergunta, eu já nem me lembro mais. Sedento pelo milagre, quando me esqueci daquilo que foi pedido. Encontro o que de mim é só fragmento. Imerso na finitude irreversível. Nesse humano território, eu posso ser inteiro. Jogo minhas melhores sementes em campos onde os melhores lavradores não pensaram em jogar, muito menos cultivar. Ah, te procuro, sabedoria ! Te procurei nas enciclopédias. E não te localizei. Te procurei nos mais doutos. Me disseram que já tinha partido. Te procurei nas máximas filosóficas. Só encontrei a rastros de ti na solidão do caminho. Sentei à beira do caminho. Misto de nostalgia e saudade de não sei o quê. Sentimento sem nome. Um prato, um copo. Uma fome, uma sede.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Natal como renovação da potencialidade humana

'Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas: a glória do Senhor então se manifestará, e todos os homens verão juntamente o que a boca do Senhor falou' ”(Isaias 40). Um desafio, quando nos deparamos o que foi feito do Natal. Uma época que se fala muito do papai noel. Uma data extremamente comercial. Um tempo onde reina o consumismo. Um período de confraternização. Um espaço de tempo para fazer o que não foi feito durante o ano. O protagonista do Natal anda muito esquecido no nosso meio. Faz lembrar que também quando nasceu, não foi recebido por multidões. Veio para todos, mas muitos não o receberam, e continuam não acolhendo. O coração precisa acolher o Deus que vem, Aquele que nunca esteve ausente do coração dos homens. Foram os homens que expulsaram Deus de seus corações. Fabricaram deuses como o consumismo, o individualismo. Em Jesus, a humanidade e a divindade se tocam, se abraçam. A história nunca mais foi a mesma depois que Ele adentrou no tempo cronológico. Mas para Ele entrar no tempo do coração, é preciso uma resposta individual, responsabilidade intransferível, que não pode ser delegada ou negociada. O Natal tem uma conotação escatológica. Deus virá definitivamente ao fim da nossa jornada terrestre. O advento nos ajuda a preparar o coração, a colocar toda nossa atenção, durante toda a nossa vida, à Aquele que não passa. Vigiar significa colocar a atenção, estar de prontidão. O fundamento da fé tem origem imaterial e assume forma na encarnação do Verbo. É a solenidade do Sol maior que se hospedou para sempre no coração da humanidade. Mas espera por uma adesão madura, serena de cada um de nós. O “Preparai o caminho do Senhor” corresponde ao trabalho humano de toda a hora para ser melhor, transformando as realidades negativas em sinal de vida. A começar pelas pequenas coisas, as mesmas que insistimos em ignorar, por acharmos que alguém poderia fazer. Não conseguimos isso sem a graça divina e ela vem ao nosso encontro. Ao nosso favor, temos dons, habilidades para fazer acontecer. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós! Não é um fato histórico perdido no tempo e no espaço. É vida continua, renovação perpétua, vida atualizada no nosso tempo. É água cristalina que brota da mais pura fonte. É preciso a cumplicidade humana de encontrar o Deus, já que Ele veio encontrar e curar os homens feridos, cansados. Desceu do céu para ter um coração humano e mostrar até que ponto pode chegar o coração humano no sentido de amar. Por isso que o Natal é a renovação das nossas possibilidades e potencialidades como seres humanos. Seja plenamente feliz ! Você tem tudo potencialmente dentro de ti ! Feliz Natal !

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A fisionomia do catolicismo no Brasil

Há, pelo menos, três tendências no comportamento do católico contemporâneo que assumem sua religião: um grupo neo-tradicional optam por assistirem missas tridentinas, em latim, cantos gregorianos. A uma parte, dessas pessoas que preferem o neo-tradicionalismo, são algumas pessoas que iniciaram na Renovação Carismática Católica, mas que ficaram profundamente incomodadas com os abusos no que toca a disciplina liturgica. Viram na missa tridentina, uma celebração na qual, a Igreja celebrou pelo menos 1500 anos. Preferem um mergulho nessa missa, por estarem saturados da laicização do clero e da clericalização dos leigos. Identificam que nessa inversão de papeis, que os abusos na missa assumida pela concepção do Concílio Vaticano II chegaram ao limite. E optam por uma liturgia mais orante, silenciosa, adorante. Com menos participação do leigo, e mais participação do sacerdote. Assumem que a língua latina, mesmo que alguns participantes não entendam absolutamente nada, introduz a comunidade ao mistério divino. Entendem que a missa deve reproduzir somente a questão propiciatória e oblativa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na questão social, alguns grupos neo-tradicionais estabelecem uma cruzada contra os erros litúrgicos, mas motivados pela rejeição ao Concílio Vaticano II. Alguns caem em um sedecantismo velado, e outros em sedevacantismo escancarado. Alguns preferem esse tipo de celebração por certa nostalgia. Mas existem muitos fiéis sinceros, maduros desse tipo de demanda católica. Na outra ponta, há pessoas que preferem uma espiritualidade pentecostal. São pessoas que já assumiram diversos serviços pastorais em paróquias, mas que hoje, preferem constituir comunidades alternativas (da Renovação Carismática Católica) às paróquias, por considerarem a estrutura eclesial pesada demais, por não se identificarem com um certa linguagem que os distanciem de suas realidades. Formaram sua espiritualidade na emoção, sob as perspectivas do louvor e da adoração, características comuns a denominações protestantes e também da RCC, que como se sabe, foi iniciada com um grupo de católicos ansiosos por experimentarem a experiência pentecostal, onde foi solicitada a presença de um pastor protestante e a leitura do livro “Entre a cruz e o punhal”. Sentem-se identificados com a concepção de missa como a ressurreição de Jesus, assumindo-a como uma festa, como pretexto de atrair os mais jovens. Ignoram o sentido sacrifical, e não poucas vezes, enlevando o carater memorial da sagrada liturgia. A comunicação, em alguns círculos pentecostais, se baseia na conversa informal, intimista e até mesmo banalizada dos temas cristãos. Tudo para aproximar o jovem da Igreja, e de Cristo. Existem também muitos fiéis conscientes e maduros nessa espiritualidade. Adelia Prado, uma vez disse que “às vezes, saio da missa para procurar um outro lugar para rezar.” De fato, faz tempo que nossos templos deixaram de ser um lugar de silêncio, de adoração. Tornou-se mais um ponto de encontro entre amigos do que um encontro com Deus. As pessoas não sabem acolher quem chega, pois estão absorvidas nos afazeres pastorais. Parece que seus serviços pastorais são mais urgentes do que acolher as pessoas. Diagnóstico simples: não acolhem as pessoas porque não acolhem verdadeiramente Deus em seus corações, pois se tornaram reféns do fazer. Uma vez refens do fazer, não conseguem ser uma presença de acolhida, de encontro fraterno. Muitos ainda possuem a concepção de serviço pastoral como status, citando somente um pequeno exemplo: alguns ministros extraordinários da Sagrada Comunhão que, mesmo ao final do mandato de suas funções, não conseguem ser simples leigos. Ainda há ‘mini-cardeais’ nas paróquias que mandam e desmandam muito mais do que os sacerdotes. Ego, vaidade e poder. Muitas de nossas comunidades se tornaram um espaço de barulho e exclusão de pessoas. Algumas pessoas que antes eram simpáticas à Teologia da Libertação, migraram para os grupos da RCC, outros deixaram de ser católicos e se tornaram marxistas. Depois das reprimendas papais (notadamente João Paulo II e Bento XVI) acerca da hermenêutica marxista, algumas linhas têm se especializado a fazer uma leitura social do Evangelho, sem a tônica marxista, pela via da ecologia, dos direitos humanos e pela opção preferencial pelos mais pobres. Ainda assim, há o risco de se centrarem somente na dignidade do homem e da natureza do que na dignidade de Deus, que anda ‘ultrajada’ por ideologias de orientações políticas, econômicas e filosóficas, que estão a fomentar o ‘eclipse de Deus’ nas sociedades. Há também grupos interessados em mesclar elementos da religião católica com elementos culturais, com a predominancia do sincretismo entre catolicismo e umbanda (predominantemente na Bahia) e crenças indígenas (predominantemente na Região Norte). Fazem uma miscelânia com a liturgia, fazendo sobressair seus elementos culturais. Há que se perceber que, nas tendências apresentadas, uma tremenda dose de exageros. Tanto a linha neo-tradicional, quanto a linha pentecostal, têm espaço na grande diversidade que se compõe a Igreja, corpo místico de Cristo. O que não pode ter espaço é o sincretismo promovido por alguns da religião com qualquer outra manifestação religiosa, como disse Bento XVI, na oportunidade da visita Ad Limina dos Bispos da Região Norte ao Vaticano. Criticável também é a postura de alguns ‘neo-tradicionalistas’ que declaram guerra ao Concílio Vaticano II, ainda que muitas das suas críticas acerca dos abusos litúrgicos estejam corretas. Criticável também é a posição de alguns carismáticos que preferem muito mais um grupo de oração, regado a orações em línguas e muito barulho, em detrimento a participarem da missa, de forma madura e consciente, ainda que estejam certos por buscarem novos meios para evangelizar e chegar ao povo. A questão começa quando se considera que sua específica espiritualidade católica é melhor do que a outra. As duas extremas posturas de alguns se distanciam do ‘sentire cum Ecclesia’, expressão de Inácio de Loyola, fundador da Ordem Jesuíta. Sentir com a Igreja, que deveria ser expressão máxima de diversidade de dons na mesma unidade de servir e de amar. Se podemos falar em critério de catolicidade, é a medida do esforço em estar em sintonia, em comunhão com a Igreja. Isso pode ser expresso na medida em que há tolerância, capacidade de escutar, aceitar críticas, aceitar correções e aprender com uma expressão católica diferente da sua, à luz da Tradição, da Escritura e do Magistério. Dizer o que precisa ser dito na verdade, na caridade. Fazer o que precisa ser feito com razão, alicerçada na fé. Nenhum carisma é mais completo que o outro, a não ser o amor. Nenhum dom é mais suficiente que o outro, a não ser o amor. Nenhuma expressão particular eclesial é a mais perfeita, a não ser o amor. Ainda há alguns quilômetros a serem percorridos neste sentido, no Caminho, Verdade e Vida que é Cristo Jesus. Os extremos deveriam aprofundar mais o que o apóstolo Paulo diz: “Examinai tudo e ficai com aquilo que é bom !” A busca da autêntica espiritualidade católica, se não se encerra nesta frase, está em grande parte contida nela.

Ganhando (ou perdendo?) a vida em São Paulo

Acordo, mas não entro em acordo com o sono. Vou tomar banho. Mais para despertar o sonâmbulo que cochila nas águas aquecidas do chuveiro. Mesmo acordando cedo, não dá tempo para tomar o café in my house. Tenho que ir trabalhar. O tempo todo eu contra o tempo. Eu contra o sono. Agora é eu contra o ônibus, o metrô, as pessoas… as pessoas ? A correria da semana, a luta pela sobrevivência tem falado mais alto do que a educação, a gentileza, o respeito. Quem já não pegou o metrô, seja linha Norte-Sul, Leste-Oeste, o trem Julio Prestes – Itapevi , Osasco-Grajaú , na qual estar em um caminhão de bois seria mais confortáv el do que estar por ali ? Quem não pegou o ônibus para ir trabalhar e ser fechado a vácuo pela porta da frente? Quem não pegou aquele trânsito infernal na capital paulistana ? Nos ônibus, metrôs e trens, há jovens que não respeitam os anciãos. Há gente se acotovelando por 30 centímetros de conforto. Há os aproveitadores de mulheres. Há os furtadores. Mas também há jovens que respeitam o direito dos anciões, da gestante, da pessoa especial.Também há aqueles que mesmo com menos de 20 centímetros de espaço, esperam os outros desembarcarem para conseguirem um justo conforto. Há quem tente ganhar a vida vendendo doces, salgados. Caráter não é uma questão da (des) ordem do sistema social. É a bifurcação da formação familiar com a conduta individual de cada qual. Mas parece que na massa humana, o humano galga índices de irracionalidade impressionantes. A irracionalidade humana que assume feições de intolerância, violência e falta de humanidade. N ão tem sido tarefa fácil ganhar o pão na capítal paulistana. Até porque tem sido bem mais difícil ser gente na grande cidade. Depois de um longo turno de traballho, com pressões, metas e mais o chefe, enfrentar mais uma longa viagem … para casa, cair na cama e descansar ? Quem dera! Uma longa viagem para a faculdade, estudar para melhorar a vida. Já é 0:01 e ainda não cheguei em casa. Adivinha onde estou ? Em algum metro ou ônibus da grande cidade. Nunca morei no interior, mas que dá saudade, ah, isso dá !

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A arte da escrita

Escrever, uma paixão para vida toda. Uma arte que não pode ser identificada com técnica, nem pura repetição. Não se trata de mera aproximação de palavras, a busca da rima pela rima. Antes da palavra, o silêncio. Antes do significado, o mistério. Nem preciso dizer que é preciso amar a arte da escrita. Mas não basta. É preciso estar encantado com o mistério, é preciso embriagar-se de perplexidade do não-óbvio. É saber fazer a pergunta, mas sem pressa de responder. É considerar a dúvida como uma dádiva que nos traz o elemento desconhecido, o elemento renovador que outrora ignorávamos. Entrelaçar artesanalmente caos e significado, escuro e claridade, desconhecido e revelado. No tear das palavras, vai minha humanidade, minha inquietude. Escrever é o prato favorito servido à mesa, na qual, não é preciso mostrar os ingredientes e nem o esforço aplicado na confecção, somente ter tempo para saborear no momento e ruminar para a vida inteira.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Neo-niilismo: a face sombria moderna como carência de sentido

Foi-se o tempo que em nosso meio havia inversão de valores. Isso, que outrora acontecia, já não acontece mais. Estamos no tempo da ausência de valores. No auge do poderio do sujeito, Nietzche propunha uma transvaloração dos valores, onde os valores do sujeito deveriam ser impostos na forma de perspectivas, onde cada qual tinha a sua. O mote dessa tremenda transformação foi outra tremenda transformação: a revolução copernicana, onde o sujeito assumiu o protagonismo na constituição do conhecimento humano. O sujeito que funda a realidade conforme sua conveniência. A realidade do sujeito equivale ao seu arcabouço particular, suas expressões, desejos e projeções acerca da realidade objetiva. Contudo, o individualismo exacerbado, juntamente com o movimento da globalização se auto-traiu: despedaçou o sujeito na ânsia de sujeitar tudo a si. Como bem disse Bento XVI, a globalização nos avizinhou, mas não nos tornou irmãos. Ora, a globalização e o individualismo são produtos da modernidade, que também viabilizou o horror dos campos de concentração, quando essa mesma modernidade é instrumentalizada pelos megalomaníacos. Essa conjuntura nos leva a um cenário de neo-niilismo, com a morte do sujeito que se declarou centro e senhor da realidade e do conhecimento e ruiu no extremismo do eu. O indivíduo, desfigurado de sua subjetividade, se viu arremessado a um conglomerado humano que não faz questão nenhuma de pensar, são inertes, sem esboçar qualquer poder de reação. Em resumo: os valores humanos foram transvalorados em valores individuais, que hoje se tornaram pó da estrada. Efeito: o homem hodierno sofre da ausência de sentido e se tornou presa fácil da efemeridade do relativo, onde o único sentido é não ter sentido.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Poema ao pé da tarde

Não sei porque insisto em escrever

Deve ser porque a vida queira viver

Segurei por tanto tempo a palavra

E a vida eu não posso segurar, minh’alma

A vida abarca o som e o silêncio

Como a eternidade, a pausa e o tempo.

Preciso de uma gota desse mel

Mergulhado no deserto desse fel

Posso até forçar o que escrevo

Mas não disfarço o meu medo

Acordo já esperando pela tarde

É a noite que anseio, na verdade.

Deus eternize quem inventou a poesia

E me traga os versos que distribuem a vida

Não me faça desistir quando me der por vencido

Mas me transforme em um soldado destemido

Sou um cruzado que não vale nem meio real

Sua amizade e seu amor irão me justificar no final.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Da não-palavra à palavra: a labuta do caminho de volta

Necessária solidão, a solidão da leitura. A dificuldade de sair da maratona do dia-a-dia. O sacrifício de fazer silêncio. O martírio de ficar só. O heroismo de me encarar de frente. A coragem de se notar no espelho da palavra. A aventura de mergulhar em um mar inexplorado. Solidão de pessoas, comunhão com as palavras. Autores de tempos imemóriais e autores de hoje adentram à minha casa, sentam à minha mesa e eu só escuto. Despejam seus palavreados em minh'alma. Logo, busco a não-palavra, o não-conceito, o que não é delimitado. O limitado quando entra no domínio do que não é delimitado, admira-se, fica perplexo, pasmo. Começa a pensar em fazer extraordinariamente as coisas ordinárias do cotidiano. Solidão de pessoas, comunhão com as palavras. E palavras também são pessoas. Possuem vida ou morte próprias. Tão reais que algumas fazem viver como outras fazem morrer. Desde o começo, a palavra não é minha. Não é minha a não-palavra, pois é antes de mim. A palavra não é minha, quando a formulei em pensamento e a escrevei em um pedaço de papel, renunciei minha autoria e está em quem a recebe. A capacidade de transformar a não-palavra em palavra também não me pertence. Ora, o que me pertence afinal ? Acho que o que me pertence é o não-pertencer. Ser no não-ser. Criar no não-criar. Eis meu sentimento ao escrever, ao viver.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Esses inexperientes: pai e filho

Pai, tantas lembranças eu tenho de ti, se eu começar a contar, não haverá mais espaço nas folhas de todos os livros que possa haver no mundo. Me lembro das suas brincadeiras, das suas histórias, do sei jeito de me fazer feliz. Me lembro daquele dia, caminhando na rua da praia, eu dizia que queria desistir de tudo, desistir da vida, e você me disse, não, não desista, eu estou com você, vamos juntos procurar uma saída. Me lembro de todas as vezes que me orientava, e como um erudito da vida, me dava aulas sobre a arte de viver, coisas que não aprendi nos livros acadêmicos, mas de você. Me lembro que todas as noites me levava para dormir e rezava junto comigo a oração do Anjo da guarda e um pai nosso. Diante de ti, não sou nada mais do que um menino que hoje quer deitar em seu colo e sentir-se amado. Diante de ti, não sei esconder nada. Somos eternos inexperientes na lida de ser pai e ser filho. Cada momento é um novo aprendizado, uma escola com portas abertas para aprender. Quero viver ainda muito tempo ao teu lado, bebendo da tua sabedoria, tua história de vida, como nos velhos tempos. Renovo o meu amor que tantas vezes eu te jurei. Te amo, te amarei, sei que nessa vida, não terei melhor amigo que você. Deus o abençoe e o conserve. Do seu menino, Ricardo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Realização humana, sucesso e dinheiro: essas variáveis cabem na equação de ser feliz ?

Muitos buscam em uma profissão somente o dinheiro. Fazem graduações, pós-graduações, especializações, MBA e etc … Sustentam inúmeros títulos e orgulham-se por eles. Mas o orgulho não acompanha uma realização humana e pessoal, mas no caso, é sucedida por um grande vazio. Não raro possuem grande fonte de renda e pouquíssima realização humana. Muitos procuram em suas carreiras somente o sucesso, o status. São pessoas que colocaram sua vida em seus contatos, conchavos para obterem êxito em suas escolhas. Não medem esforços para estarem nos patamares mais elevados, gostam de serem notados, mesmo que seja preciso prejudicar seu companheiro de trabalho. Mas o tempo e as circunstâncias lhes revelam que o sucesso por si não é sustentável, se não houver uma realização humana que o acompanhe. Muitos procuram somente a realização humana, e pensam que serão realizados sem nenhum sacrifício, abnegações e renúncias. Vivem desconexos da realidade, não assumem responsabilidades, e quando se deparam com grandes desafios, fogem dessas situações. Os casos elencados aqui são exemplos de excessos. Fomos educados a procurar uma profissão por aquilo que ela aparenta, sucesso, dinheiro, uma vida cômoda e tranqüila, mas não por um sucesso ancorado em uma realização humana, fruto de uma madura reflexão de escolher estar no lugar certo, na hora certa e ser a pessoa certa. Penso que por trás desse processo que vivemos, há uma profunda distorção do conceito de trabalho. A instrumentalização maciça em todas as instâncias que envolvem o trabalho acarretou a dissociação entre realização humana, sucesso e dinheiro. Ora, e o que é trabalho ? É basicamente um serviço. Serviço que lembra o verbo servir. Servir que nos remete a uma relação dialógica entre aquele quem serve e aquele que é servido. Uma relação de quem algo a oferecer para quem precisa desse algo. Por aqui já dá para ter uma idéia de como as organizações se estruturaram a partir da necessidade, da carência. Por trás da massificação dos meios de produção ( que trouxeram inúmeros benefícios a humanidade, inegavelmente !), há o desejo antiqüíssimo de dominação, de poder, de manutenção de uma dependência. É por aqui que o trabalho-serviço se transforma em trabalho-dominação. Quem serve, se considerou maior e melhor do que aquele que é servido. Começou a pensar as estruturas a partir de seu desejo de dominação, aumentando os meios de produção e diminuindo os recursos humanos, visando a máxima otimização dos processos, bem como o lucro. A mão-de-obra, foi, é, e está passiva, pois sobre ela pesa o medo de perder o seu posto de trabalho. De certa forma, corrobora a consolidação desse ciclo vicioso. Essa é a história, a grosso modo, na qual desvinculou realização humana, sucesso e dinheiro. Não é minha pretensão dar nenhuma formula mágica, mirabolante, sinceramente, não tenho. Mas o que posso fazer é gerar reflexões, provocações, pensamentos que possam ocasionar transformações a partir de você. O agente de mudança é cada um de nós, e essa história pode continuar ou terminar dependendo de você. Comece a pensar o que realmente te motiva a levantar da cama, nas madrugadas / manhãs de segunda-feira. Não é por acaso que as segundas-feiras são tão demonizadas por nos … !

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Encarnação em Gabriel Marcel

Marcel considera que a verdadeira subjetividade se dá na relação com alguém. Nessa relação, é preciso entrega mútua e reciproca, é preciso desprender-se de si para compreender sua própria subjetividade. Se cada qual descobre sua subjetividade na medida em que se entrega na relação com alguém, não se trata simplesmente de subjetividade, mas de uma intersubjetividade, o eu que descobre sua raízes mais profundas no encontro, na relação. Logo, o ser é relacional, é metade existencial incompleta, que necessita do outro. Um necessita da participação plena e sem reservas do outro e vice-versa. Para Marcel, é a participação entre ambos que garante que o homem enfrentar sua condição humana, empresa essa que fracassaria se estivesse sozinho. Pois bem: nem intersubjetividade, nem entrega, nem participação seria possivel, se não houvesse uma corporeidade, uma encarnação, e para Marcel, aqui está o ponto central da investigação filosófica. É a partir da corporeidade, que o ser humano pode estabelecer suas relações. Contudo, isto não implica que o homem se reduza a um corpo. Marcel não concordaria com uma instrumentalização do homem enquanto corpo. Segundo ele: “Trágico é o ser-com enquadrar-se ou ser enquadrado no horizonte do ter, da posse, sujeito às coisas[1]. Péssimo negócio seria deixar o ter assumir o domínio do ser para o outro. Uma relação dominante e dominado está muito longe do ser para o outro, ou seja, da verdadeira intersubjetividade. Não se trata de uma relação sujeito e objeto, mas uma relação sujeito-sujeito. Nesta relação entre sujeitos, ambos interagem e são interagidos. Não há espaço aqui para tornar o outro como objeto, ou como um meio, ou qualquer instrumentalização que seja. Há o eu e há o tu, e ambos são sujeitos. Aqui emerge o mistério do ser, que: “... é algo a que estou ligado, não parcialmente, por algum aspecto determinado e especializado, mas inteiramente, enquanto realizo uma unidade que, por definição, nunca pode apreender-se a si próprio, podendo somente ser objeto de criação e de fé. O mistério faz desaparecer a fronteira entre o em-mim e o perante mim.”[2] Há dois sujeitos que participam da relação e fazem com que o que era dois sujeito possa se tornar um só sujeito. O eu e o tu em relação é o eu-tu. É uma fusão ontológica dos sujeitos, por assim dizer. E como fica a corporeidade do sujeito unificado eu-tu? Diria que a corporeidade dos sujeitos distintos se mantém, mesmo na fusão ontológica dos sujeitos. É somente uma fusão ontológica de sujeitos e não fusão de corporeidade. E como fica a individualidade dos sujeitos ? Diria que não há perda da singularidade, da individualidade de cada qual, e há liberdade nesta unidade de sujeitos. Nesta relação, não há dominantes e dominados, vencedores e derrotados. O eu-tu, no fundo, é o nós.

[1] Marcel,Gabriel. Diário Metafísico. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1969, p.193-217

[2]Marcel,Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1951, p.81

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Intersubjetividade em Gabriel Marcel

A Filosofia da existência emergiu a partir de dois contextos completamente antagônicos e reinantes da época: a metafísica, marcada por seu alto nível de abstração, e a objetivação, marcada por seu alto nível de experimentos e comprovações empíricas. Enquanto a metafísica se ocupava de temas como Deus, verdade, bondade, a objetivação se ocupava com métodos científicos e experimentais. Não havia espaço para falar sobre as relações, sobre o outro. Gostaria de tratar sobre Gabriel Marcel, pouco mencionado nos estudos filosóficos. Gabriel Marcel viveu a desolação da Primeira Guerra Mundial e percebeu que: Apontou um ser de dores e alegrias, descobrimentos e decepções, não podendo mais se contentar com as formas abstratas, que até então o satisfaziam. Pois, essa época traz a experiência profunda do mim mesmo.”[1] Uma crítica direta e clara à tradição metafísica ocidental que preconizava as formas abstratas, que tem como legítimos representantes filósofos gregos como Sócrates, Platão, Aristóteles, filósofos do medievo como Agostinho e Tomás de Aquino. Marcel sente a necessidade de falar sobre a interioridade, sobre o ser e a subjetividade. O que está em jogo aqui é o questionamento sobre o ser. Seria o ser relacionado com o eu ? Ele responde: “...viemos depois de outros, dos quais temos recebido muito (...), e que, em relação a outros seres, também viemos antes[2] Marcel constata que o ser em um primeiro momento não se relaciona com o eu, mas com o outro. Muitos já vieram antes de mim, muitos já contribuíram com tantas coisas bem antes de mim. Existe um antes e depois de mim. Isto indica que não sou absoluto nesta relação. Não indica que eu sou melhor e nem pior. Indica um antes e um depois. Hoje recebo e amanhã cederei. Esboça-se o conceito de alteridade. Para Marcel: , “... na medida em que, pela minha própria experiência, me elevar a uma percepção verdadeiramente concreta, estarei em condições de ascender a uma compreensão afetiva do outro, da experiência do outro.” A corrente metafísica está sendo o alvo da crítica de Marcel novamente. Pela visão metafísica, o ponto de partida é o imaterial para o material. Marcel propõe o contrário: do material para o imaterial. Submerso plenamente pela experiência sensível, posso me elevar na perspectiva do outro. Mas se o ser, em um primeiro momento, se relaciona com o outro, qual é o espaço para a subjetividade? O filósofo responde: “Não me preocupo pelo ser, senão na medida em que tomo consciência, mais ou menos distinta, da unidade subjacente que me une a outros seres, cuja realidade presencio.” O papel da subjetividade se clareia, na medida tomo consciência do outro. Logo, estou diante de uma subjetividade na perspectiva de alguém. Mais: não somente uma subjetividade, mas uma intersubjetividade, já que descubro o eu na relação com o outro. Percebo também que há tanta fragilidade do lado de lá, quanto do lado de cá. Isto implica que sou um ser em trânsito, um ser em relação, que descobre seu eu na relação com o outro. Como não notar as premissas de participação e envolvimento embutidos nesses argumentos ? Com a palavra, Marcel: “Participar significa simplesmente receber uma parte, um fragmento de um todo dado. Por isso, é impossível participar com todo nosso ser numa empresa, ou numa aventura, sem experimentar, em certa medida, o sentimento de ser arrastado; e esta, sem dúvida, é a condição indispensável que permite ao homem resistir a uma fadiga em que sucumbiria se estivesse só.” [3]


[1] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.202

[2] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.204

[3] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.115-116

segunda-feira, 14 de março de 2011

Confissões de um neto carente de um colo de baba

Quantas vezes você me carregou nos braços. Quantas vezes você me afagou com seu cuidado de vó. Quantas vezes você me fez adormecer em seus braços. Quantas vezes você se deixou por vencer por inúmeras chantagens de seu neto. Quantas vezes você me dispensou seu carinho tão gostoso. Quantas vezes você esteve presente quando tudo era escuridão. Quantas vezes jogávamos dominó e você me deixava ganhar até aprender a jogar um pouquinho como tu jogavas. Quantas vezes me contava histórias da Segunda Guerra Mundial fazendo brilhar meus olhos de menino. Quantas vezes me confundia meu nome com o do Chachá com o do Adriano com o do Aryel. Quantas vezes subia a ladeira da Waldemar Martins para trazer pão fresquinho e sentar com a gente para tomar aquele café da manhã bem gostoso. Quantas vezes você se cansou, porque queria ver os outros mais felizes. Quantas vezes estivemos juntos e você me ensinava a lição da vida a face mais bela da existência humana. Quantas vezes me disse que eu deveria ser mais amável para com todas as pessoas e não importava quem. Quantas vezes me disse para dar valor a família, pois nesta terra era a única coisa que eu poderia possuir. Quantas vezes a gente se divertia com suas palavras carregadas de sotaque russo que a fazia ficar sem jeito e algumas vezes até fora do sério. Quantas vezes escutei você dizer: “sou louca por meus netos!” “não mexam com meus netos e bisnetos”. Quantas vezes me mostrava as mesmas fotos de seus parentes russos. Quantas vezes me contava as histórias de sua infância e adolescência. Quantas vezes me comparava com seu irmão que tanto estudou e até me achava parecido fisicamente com ele. Quantas vezes me acompanhou pela janela quando eu ia trabalhar. Quantas vezes a gente comia aquela pizza de mussarela que tanto você gostava e até pedia para pagar a conta. Quantas vezes você me dizia: “Vai com Deus!” e eu nunca partia sem sua benção. Quantas vezes você foi forte firme,quase que invencível. Uma vez lhe perguntei qual era a sua música preferida e ela me disse que era “Churrasquinho de Mãe” de Teixeirinha. Miudezas da vida que só quem ama pra valer pode conhecer. Retalhos de tempo que a memória se encarregou não somente de armanezar mas de eternizar. Você acompanhou tudo de mim, me acompanhou todos os momentos da minha vida. E quando eu fui entender um pouquinho sobre a vida, recebi a notícia de que você havia partido. O que era de vidro se quebrou em mim. Tinha aprendido a ler a vida por aquilo que dizias. Tinha aprendido a ser da paz por você, que viu com seus próprios olhos os horrores da segunda guerra mundial. Mas mesmo nesse faltar de chão por entre as minhas lágrimas pude recordar quantas vezes tive a oportunidade de dizer “Eu te amo” e o quanto pude transformar essa palavra em atitude que acariciava o seu ser. O tempo te desgastou, o tempo te levou, mas você foi altaneira, incansável. Uma vida assim não morre, uma vida assim não passa. O tempo venceu o teu corpo,mas não venceu as tuas palavras e exemplo. O tempo venceu a sua idade, mas nem sequer esgotou a sua intensidade de amar. O tempo encerrou o teu ciclo,mas a tua vida continua em Deus tal qual um mar que desagua em um oceano de perder de vista. Te levo no sobrenome Czepurnyj com honra carinho e responsabilidade trago o teu sangue em minhas veias. Trago na memória na alma e no mais intimo do coração as suas palavras o seu exemplo o seu olhar. Nem que eu quisesse eu poderia te esquecer. Como esquecer o inesquecível ? Diante do teu corpo pálido e frio, senti as suas gélidas mãos, percebi quanta vida que deixaste em mim, quanta vida deixaste em sua familia, amigos e patrícios russos. Nessa partida tão inesperada, aprendi que há dois lugares nas quais o tempo não pode chegar: a memória que preserva as tuas palavras, exemplo, a tua pessoa, e a eternidade, nossa gênese e fim. O tempo, o eterno vilão, que faz a gente morrer aos poucos, antes da definitiva despedida nessa terra, nunca poderá vencer a memória e a eternidade. Os sentidos captaram momentos únicos e inefáveis, mas o amor se encarregou de tornar esses momentos para além do tempo. Se a nossa memória pode preservar tanta vida de tua vida, tanto amor de teu amor, tantos momentos que não cabem na semântica da palavra tempo, quanto mais estás preservada e em paz na mente e no coração de Deus. O pensar divino confere essência e existência. Essência, pois és imagem e semelhança de Deus, existência, pois foste um querer divino que se tornou carne, contudo, nossa vida não se limita a esta casa de argila frágil que se desgasta com o tempo. Para além do horizonte dessa vida, há mais vida, na qual os olhos não podem enxergar. E é a partir desta tenda humana, que é o nosso corpo, que somos chamados a fazer a diferença no mundo em que vivemos. Mas entre o tempo e a eternidade, cá estamos nós, com a saudade de você, com lágrimas no olhar, e gratidão no coração, por ser sido um grande presente que Deus nos deu. O que resta a todos nós é amar a todos como se fosse o primeiro, o último e o único dia da nossa vida. Deus sabe melhor do que todos qual é o maior bem para cada qual, e nossa querida babá foi chamada para viver com Deus eternamente. Te damos adeus neste tempo e nesta terra. Te trazemos na mente, na memória e no coração, a tua imagem, nossos momentos, tuas palavras, teu exemplo, teus gestos, teu olhar, tua pessoa. Se a vida continua para nós que ficamos, muito mais para ela que está mais viva do que nós. Haverá o dia da gente se reencontrar. E num abraço haveremos de nos encontrar e ser incorporados no infinito amor do Eterno. Aprendi que seu cuidado de vó vale por mil mães. Deve ser por isso que me sinto órfão mil vezes de vó. Ah, minha amiga, minha irmã, minha vó, minha confidente – você levou a maior parte dos meus sonhos que ainda trago nos mais íntimos recônditos da alma. Eis seu eterno menino carente do seu colo. Nós te amamos. Ternamente e Eternamente. Até o dia eterno, baba!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Compaixão é fortaleza

Compaixão vem da palavra latina compatire. Podemos dizer, de maneira geral, que compaixão é um sentir com o outro, ou seja, olhar a miséria e a desventura alheia, reconhecendo também sua condição frágil, e colocar-se no lugar do outro. A partir do momento que isso ocorre, o que era alheio se transforma em próximo. O que não tinha nada a ver com a minha vida, acaba se tornando fundamental. É um afeto que se aproxima da carência do próximo. Uma coisa é o sentir e outra coisa é o mover-se em direção. O sentir é "affectus' e o mover-se em direção é "motus". Compaixão é a consonância entre amor (affectus) e vontade (motus). Compaixão sem amor recai em um assistencialismo superficial e sem sentido. Compaixão sem vontade recai em uma alienação estéril, um impulso que não tem a capacidade de se materializar. Em outras palavras, compaixão é mais do que sentimento, vontade e obras isoladas. É reconhecer a desgraça de alguém com as seguintes indagações: "e se fosse eu que estivesse nessa situação ?", "o que faria se aquele que sofre fosse eu, e o que tivesse a possibilidade de ajudar fosse a pessoa que sofre ?" O colocar-se no lugar se conecta no contexto do reconhecimento da finitude humana. Hoje é ele e amanhã poderá ser eu. Ninguém é tão virtuoso que possa dispensar a compaixão. Ninguém é tão miserável que não possa ser compassivo. Por isso que a compaixão é fortaleza na medida em que há a possibilidade de se reconhecer a carência e miséria humana e há um movimento desprendido e gratuito em direção ao outro com a finalidade de transmitir o bem. Contudo ninguém pode dar aquilo que não recebe. O anúncio (kerigma) do evangelho não é um sistema de idéias, uma filosofia, mas um amor vivo, atraente e sedutor, experimentado em uma pessoa: Cristo Jesus, Verbo de Deus. Ele é o amor encarnado, a compaixão revelada e a justiça ensinada. Ele é o divisor de águas entre uma ideologia que preconizava a vingança e a mentalidade de fazer o bem sem olhar a quem. É do Verbo de Deus que recebemos a medida da compaixão sem medidas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paulo e a vaidade da santidade

Saulo. Judeu culto e zeloso pelas coisas da religião. Aquele que era o mais pérfido perseguidor dos cristãos. Literalmente caiu do cavalo. Estava cego desarmado diante daquele que mais perseguiu nos inúmeros cristãos mortos. Saulo, Saulo porque me persegues naqueles que me anunciam ao mundo? Daquele que perseguiu incansavelmente os cristãos, se transformou em um incansável pregador e evangelizador. Paulo. Apóstolo de Cristo e dos gentios, profeta além-fronteiras geográficas e humanas. Uma das partes da Bíblia que mais me fascina é II Coríntio 12,9 : “Basta-te a minha graça pois é na fraqueza que se manifesta totalmente a minha força” No contexto de II Coríntio 12, Paulo refere-se às visões e as profecias. Ele admira um homem que teve uma experiência mística. Mas tem pouca estima ser apreciado por fazer o que fazia. Há um perigo muito grande – a vaidade de ser bom – de se achar melhor do que os outros – de se julgar superior aos demais pelos dons ou talentos que se possuem. Mas como a força pode ser manifestada na fraqueza humana? Paulo nos indica uma pista no versículo 9: “... prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo.” É preciso mais confiar na força e no auxílio divino do que confiar nos projetos humanos. Por mais que o humano faça, sempre haverá um déficit, uma carência. Mais do que reconhecer essa carência, é preciso confiar em Deus, quando o entendimento me é limitado. Quando sou menos eu, sou mais tu, sou mais de Deus e sou mais eu.

São Paulo: Tradição e inovação

São Paulo. Cidade com o nome do grande apóstolo de Jesus. Cidade sem fronteiras com o mundo ao redor. Terra de negócios, terra de encontros, terra que sabe acolher o estrangeiro. Eixo da economia brasileira. Suas noites são sedutoras, mas em pleno dia só vemos arquitetura petrificada. Se quiseres conhecer São Paulo, conheça seu centro, conheça seu interior. Praça da Sé. Marco zero. Pátio do colégio. São Paulo nasceu aqui. Estação da luz. Obra dos ingleses. Estação Júlio Prestes. Seu charme e seu encanto. Edifício Copan. Escultura do gênio Oscar Niemeyer. Teatro Municipal. Cartão postal e sede da semana da arte moderna de 1922. Prédio históricos e suas confidências. Solar da Marquesa. Arquitetura urbana do século XVIII. Largo da memória. Nas sinuosidades do vale do Anhangabaú. Seu passado de glórias, se mistura com sua marcha à atualidade. Parabéns, São Paulo!

Prece de um aniversariante

Senhor

Eu que atravesso o limiar de mais um ano

Tento te falar com meus versos provincianos

Pois se há alguma luz em mim

É essa luz que vem de Ti!

Senhor

Eu que sou pequeno e tão mendicante

Eu não quero caminhar errante

Sou aquele menino carente

Que precisa de um colo - um confidente.

Abraça-me a vida

Envolve-me o tempo

Aumenta-me os medos

Mas estou seguro em Seu coração.

Mais do que consciente

Que sou a verdade do seu querer

E se queres - o que eu poderei temer

Se me acompanhas neste chão.

Obrigado por seres quem Tu És!

Obrigado por me mostrar quem eu sou

É por que vais na frente - que na vida eu vou!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Disciplina é liberdade

Quando se ouve falar em disciplina, quase sempre se associa com prisão, enclausuramento, algo que tolhe a liberdade humana. Quase sempre o senso comum associa a disciplina como inimiga da liberdade. Deriva da palavra discípulo, aquele que segue. Discípulo é aquele que escuta e põe em prática aquilo que aprendeu. Aprendemos a estabelecer regras e normas para os nossos dias, de acordo com as nossas necessidades. Não se pode alcançar qualquer ideal, meta ou objetivo, sem que haja uma disciplina, uma conduta que leve ao caminho ou resultado pretendido. Contudo, a disciplina nos faz abdicar de muitas coisas, nas quais, gostamos muito. Quando pretendemos alcançar objetivos na vida, estabelecendo uma disciplina adequada, temos que abrir mão de muitos gostos pessoais para que possamos desfrutar mais tarde, do fruto da labuta. E quando estabelecemos um objetivo, pensamos sobre como seria possível realizá-lo, refletimos uma rotina favorável à realização do objetivo, estamos administrando bem o tempo. Estamos sendo eficazes. Eficazes são aqueles que utilizam menos recursos para mais resultados. Eficientes são aqueles que utilizam mais recursos para os alcançar os resultados. Disciplina é saber utilizar as coisas da forma adequadas, sem desperdiçar e sem carecer e chegar a um resultado razoável. Penso nos indivíduos que fazem questão em dobrarem a noite em seus turnos de serviços. Alguns não conseguem ser eficazes, e precisam abdicar de seu tempo de vida social e familiar para regularizar seu serviço. E quando fazemos as coisas que devemos fazer um esmero, disciplina e organização, usamos bem o tempo. Disciplina é basicamente saber utilizar o tempo em benefício próprio, para facilitar a vida. E sabendo utilizar bem o tempo e as coisas, sou administrador dessas variáveis, e não me torno escravo de nada e de ninguém. Me torno pessoa livre e responsável pelas coisas e pelas pessoas.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A brevidade da vida em Sêneca

Porque Sêneca se dedicou a escrever sobre a temática da brevidade da vida? É importante salientar que em nenhum momento Sêneca quis conceber uma filosofia original, pois segue uma tradição helênica de sua época. Isso significa dizer que o seu pensamento possui marcas profundas do pensamento estóico, platônico e aristotélico. Isto não é bem visto ao olhos dos cientistas modernos, que cravaram tanto para Sêneca, quanto para Cícero, ambos pensadores romanos, escritores de menor magnitude, uma vez comparado com pensadores que perseguiram uma certa originalidade por assim dizer, como Platão e Aristóteles. Em todo caso, o erudito que se preze, deve necessariamente percorrer os grandes temas da Filosofia, como por exemplo, a verdade, a vida, o erro, a morte, e a brevidade da vida está inserida no contexto dos grandes temas tratados pelos pensadores que marcaram a história da humanidade, de uma certa maneira. Sêneca, de certa forma, realiza uma releitura de temas recorrentes. E qual seria a relevância de tratar sobre a brevidade da vida para Sêneca? Antes de entrar na temática, é salutar entender que a estrutura textual é a da carta, que caracteriza o escrito em uma relação de amizade (philia), de proximidade. Há uma nítida preocupação com o interlocutor, no sentido do autor antecipar-se ao interlocutor no que se refere suas possíveis dificuldades. Sendo assim, a estrutura de carta nada mais é do que uma narrativa. Dentro dessa narrativa, Sêneca está a procura da compreensão sobre a condição humana, condição essa marcada pela égide da fragilidade, finitude. O homem está submerso no tempo (khronós) , dimensão sucessiva de passado, presente e futuro. O passado já é um velho conhecido, o futuro é incerto e causa medo e o presente uma mistura de passado e futuro no qual o indivíduo está inserido. Ao questionar sobre as suas próprias fragilidades, o indivíduo se coloca à margem de sua própria finitude, por assim dizer, e esbarra com a eternidade (aion). Porque o indivíduo precisa da eternidade para compreender sua própria condição humana?Não sendo fácil para qualquer homem viver o tempo presente, ele necessita de uma perspectiva superior e metafísca, pois suas carências e fragilidades o confrontam e o inquietam a todo instante. E a eternidade tem a finalidade de ser a ausência do tempo, privação de ciclos, sinônimo de permanência, estabilidade e imutabilidade. O tempo, ao contrário, é a contínua sucessão de movimento entre presente, passado, futuro. Contudo, se podermos estabelecer um princípio imutável para o tempo, esse princípio é a própria mudança, alteração. Logo no começo da brevidade da vida, Sêneca critica a postura daqueles que associam a brevidade da vida como sendo um castigo, uma praga divina. E por qual motivo a morte seria um castigo divino?Dentro dessa questão de cunho teológica, é necessário estabelecer duas considerações a cerca da impressão do homem sobre si mesmo e sobre a temporalidade. Uma primeira consideração que precisa ser colocada é que o homem concebe-se eterno, imortal, considera que as desventuras da vida, bem como as desgraças sempre se dão com os outros, nunca com ele mesmo. Dentro desse registro, não estamos longe, de forma nenhuma do homem contemporâneo. Uma segunda consideração que também precisa ser colocada é a concepção de que o homem considera que o tempo é eterno, ou seja, infinito. Uma vez que o homem assevera que o tempo é ilimitado, pode se dar ao luxo de desperdiça-lo da forma como achar conveniente. Novamente, não estamos distantes do individuo hodierno. Tanto na primeira, quanto na segunda considerações há a impressão humana da eternidade que duela o tempo todo com a realidade temporal. Na primeira, o indivíduo considera-se eterno, mas está orientado nos limites da finitude, da temporalidade, das suas próprias carências e fragilidades. Na segunda, o indivíduo considera o tempo como eterno, mas o tempo é caracterizado pela sucessão de presente para o passado e futuro em presente. Em ambas as observações, o indivíduo confunde os limites eternos com os limites temporais.E quais as consequências desse individuo ser indiferente consigo mesmo e com o tempo que é dado a ele para viver? O indivíduo que pensa que é eterno, é autosuficiente, pronto, acabado, não vê e nem sente a necessidade de depender de ninguém para o que quer que seja. Passa a ser indiferente ao outro, pois não entende que possa depender dele. Mais ainda: se o indivíduo se considera ilimitado, ou seja, não julga necessitar de nada e ninguém, para ele o tempo também será eterno, o que fará com que ele se prenda à aquilo que não é realmente importante, o efêmero (epi + hemeros). E o que seria o efêmero para Sêneca? Seria o não seguir a natureza (kata – physin), é considerar o eterno como passageiro e o passageiro como absoluto. Isso fará com que o individuo caia na indiferença com os outro e ao tempo, terminando na superficialidade das coisas, como por exemplo na acumulação de riqueza. O que seria seguir a natureza? Para o estoicismo, a natureza possui dois princípios: passivo (ausência de qualidades e matéria) e ativo (age na matéria e molda a sua razão de ser). De uma certa maneira, abarca a razão e também a divindade. Seguir a natureza corresponde a não contrariar a razão universal, na qual todas as coisas e o próprio homem está inserido. Com a palavra, Sêneca, que segue à risca o estoicismo: “... como todos os estóicos, saibas que sigo a natureza” é sábio não se distanciar dela e obedecer a seu exemplo e lei. A vida feliz é, pois, aquela adequada à natureza...[1] Porque a acumulação de riquezas poderia ser considerada como uma efemeridade? Porque o indivíduo que pensa em acumular, em tese, estaria unica e exclusivamente preocupado com o futuro e com o seu amanhã, não dando a menor importância para o presente na qual está inserido. Pensa em ter abundantes bens quando abater sobre ele os dias maus e desventurosos, mas não se dá conta que o presente está correndo como um líquido que foge às mãos. A preocupação de Sêneca, I d.C sobre o dia de hoje é a mesma preocupação de Horácio I a.C, em seu poema Ode (I, XI): "Tu não procures, conhecer não deves, o fim que a mim, A ti concederam os deuses, ó Leucone, nem experimentes os números babilônicos. Melhor sofrer o que quer que seja! Seja muitos invernos, seja o último que Júpiter te concedeu, e que agora o mar Tirreno quebra contra os rochedos, sejas sabia, filtre os vinhos, e pelo curto espaço de tempo suprimas qualquer longa esperança. Enquanto falamos, o tempo invejoso foge: aproveita o dia, (carpem diem) muito pouco crédula no que virá.” Eis aqui o trecho do famoso trecho do carpem diem, cuja a tradução mais aproximada é a do colher o dia. A preocupação horaciana se aproxima de Sêneca no sentido de que o hoje tem a necessidade de ser vivido intensamente, sem maiores apegos no que virá no dia de amanhã e que os homens possui a estranha tendência de informação sobre o que virá e sobre qual seja o seu fim. Assim se encontram fazendo planejamentos minuciosos e calculistas, debruçando-se somente sobre o que virá, e portanto, dando as costas ao seu tempo presente. E o que justificaria o homem acumular e planejar o futuro? Já que o passado é conhecido do homem, o já foi, e o presente, de uma certa forma, já ser conhecido, o amanhã causa medo e pavor pois é uma fronteira desconhecida para o homem. E para se precaver e cercar-se de cuidados, às vezes de perigos imaginários e até ilusórios, ele apega-se às coisas materiais, bem como a acumulação de riquezas e esquece de colher o dia que generoso a ele se oferece. Até mesmo Jesus de Nazaré, que se coloca entre Horácio e Sêneca, longe de ter preocupações puramente teóricas e filosóficas sentenciou: “ (15) ... Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui. (16) E propôs-lhe uma parábola, dizendo: A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância; (17) E ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. (18) E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; (19) E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. (20) Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (21 ) Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus. (22) E disse aos seus discípulos: Portanto vos digo: Não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o que vestireis. (23) Mais é a vida do que o sustento, e o corpo mais do que as vestes. (24) Considerai os corvos, que nem semeiam, nem segam, nem têm despensa nem celeiro, e Deus os alimenta; quanto mais valeis vós do que as aves? (25) E qual de vós, sendo solícito, pode acrescentar um côvado à sua estatura? (26) Pois, se nem ainda podeis as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras? (27) Considerai os lírios, como eles crescem; não trabalham, nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. (28) E, se Deus assim veste a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? (29) Não pergunteis, pois, que haveis de comer, ou que haveis de beber, e não andeis inquietos.” [2] O Nazareno questiona sobre o questionamento excessivo sobre o dia do amanhã, pois a preocupação excessiva sobre o que virá, nos desviaria do dia de hoje, das preocupações decorrentes do hoje. E porque viver o dia de hoje é mais importante do que se debruçar sobre o amanhã? As preocupações do dia de hoje seriam reais, pois o dia de hoje está acontecendo neste exato momento, e requer toda a nossa diligência, atenção e cuidado para bem viver o hoje com toda a intensidade possível. As preocupações do dia de amanhã são irreais comparadas ao hoje, pois o amanhã ainda é uma possibilidade que ainda não chegou. É por isso que devemos escolher viver o hoje, com todas as suas preocupações e possibilidades, que são reais do que o amanhã que é mera virtualidade e potência, que são irreais sob a ótica do que se manifesta a nós, ou seja, a do hoje. Abrir-se as possibilidades do dia para não se fechar nas próprias expectativas. Mais uma vez o embate entre a imaginação e a realidade. Qual é o caminho para a superação da brevidade da vida? Sêneca responde que o caminho para a superação da brevidade da vida é o distanciamento, a meditação, pois é com ela que o sujeito necessariamente reconhece a efemeridade humana e pode ser capaz de fornecer uma resposta a altura de sua questão sobre o efêmero e o vão. Todavia, não realiza essa meditação de forma ilesa ao tempo. O ocupar-se da meditação necessita de tempo, e está no ócio (scholê). O ócio da meditação é o oposto ao ócio do desperdício do tempo. Enquanto na meditação, o sujeito reflete sobre sua vida, com a finalidade de imprimir em sua existência intensidade e qualidade, no que se refere ao dia de hoje, o ócio do desperdício do tempo é o passatempo daqueles que se julgam o tempo e eles próprios eternos e utilizam o tempo como se fossem ilimitados, como se não fossem passar pela morte. O sujeito sofre uma afecção externa, que produz uma paixão (pathós). Essa paixão (pathós) pode resultar em uma ação prática, criação (poiésis). Há casos em que a afecção externa sensibiliza o sujeito e ele não responde. E qual seria a motivação de não responder? Talvez possa ser por estar bem instalado e acomodado na sua situação atual e não querer se deparar com uma mudança, que significaria, de certa maneira, uma ruptura com o seu estado atual, uma reorganização que não é conhecida e que gera um certo incômodo e desconforto. A compreensão da identidade passa pela perspectiva de viver em função da paixão e em função da criação. O processo de criação põe um fim à indiferença que havia quebrado o ciclo da poiésis. Quebrando a indiferença, posso fazer o bem e a partir desse bem feito a alguém encontrar a minha própria renovação, pois o que há de melhor no homem é tornar-se melhor homem a cada momento. Na intervenção humana do fazer o bem a alguém, o agente que realiza o bem continua, renova-se na relação com o indivíduo receptor deste bem. A virtude (aretê) aqui se desvela como a possibilidade humana de intervir em favor do próximo. E a virtude não está na palavra, nas no ato concreto, conforme Sêneca: A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O seu fim não consiste em fazer-nos passar o tempo com alguma distração, nem em libertar o ócio do tédio. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos actos, em apontar-nos o que devemos fazer ou por de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos. Sem ela ninguém pode viver sem temor, ninguém poder viver em segurança. A toda hora nos vemos em inúmeras situações em que carecemos de um conselho: pois é a filosofia que no-lo pode dar.” [3] A Filosofia não é puramente teórica ou especulativa; as reflexões proporcionadas por ela deve necessariamente levar a uma atitude prática. Assim, ela também poderia ser considerada como um remédio, terapia que ocasionará ao indivíduo o bem viver. Essa orientação do bem viver está diretamente relacionado com a natureza humana, tema esse que os estóicos já haviam se debruçado e Sêneca apenas irá fazer uma recapitulação.E porque haveria a necessidade de fazer o bem, da ação virtuosa? Ninguém nasceu pronto, já previamente estabelecido, mas em condições de aperfeiçoamento (teleousi). Se o indivíduo chegou à consciência de aperfeiçoamento, necessariamente passou pelo processo reflexivo, dedicando-se ao ócio criativo do pensamento crítico e centrado, que se opõe diametralmente ao ócio do desperdício temporal, e que se opõe ao negócio, a negação de qualquer espécie de ócio. Qual seria a vantagem de superar a brevidade da vida? A superação da brevidade da vida consiste em uma vida bem vivida, com intensidade, centrada no hoje. Isso representa uma vida qualitativa que se opõe drasticamente a vida quantitativa, uma vida observada apenas em sentido numérico, na qual surge espontaneamente a distinção entre viver (qualitativo) e existir (quantitativo). Isso somente seria possível graças à meditação que nos levaria à felicidade que corresponde à vida contemplativa (bios theoretiké). Cabe ao homem tornar o tempo oportuno (kairós) de seu aperfeiçoamento (teleousi).

[1] Sêneca, L. A. A vida feliz. III. p. 27.

[2] Lucas 12, 15- 29 - http://ie6.bibliaonline.com.br/acf+acf/lc/12

[3] Sêneca, L. A. Cartas a Lucilio. carta 16, 3. p. 55.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A condição humana da efemeridade

"Em pouco tempo o prazer dos mortais cresce e cai por terra,

Tendo sido abalado por um pensamento adverso.

Efêmeros: o que é alguém? O que não é?

O homem é o sonho de uma sombra.

Mas quando o brilho dado por Zeus retorna,

Uma luz brilhante repousa sobre os homens

E a eternidade é suave.”

A tônica do poema de Pindaro é a condição humana da efemeridade. O que seria ser efêmero? Do grego, efêmero (epi + hemera) significa literalmente por um dia, o que não possui uma longa duração, passageiro, volúvel, não consistente. E como se daria essa condição humana de ser efêmero? Nos versos do poeta grego, há uma clara referência de um embate entre a condição humana de ser efêmero e a eternidade (aion), um duelo entre a tempo (khronós) e a eternidade (aion), O tempo caracterizado por fluxo constante de movimento, que abarca o passado (o já não), o futuro (o ainda não) e o presente (reconcilia o já não e o ainda não na duração do agora. A eternidade (aion) é caracterizada pela ausência da temporalidade, carência da finitude, não está demarcada pelos limites espaço-temporais.Para a reflexão das próprias fragilidades, é preciso colocar-se à margem das próprias fragilidades. Em outras palavras, é preciso sair do território da finitude para lançar um olhar mais apurado sobre a condição humana da efemeridade. É somente na distância das coisas circundantes, que conseguimos repensar com serenidade o que se passou conosco mesmo.Pindaro compara o homem a um sonho de uma sombra, uma nuvem passageira. Essa sombra em Platão nos remete ao mito da caverna, onde em uma caverna subterrânea, os seres humanos estão prisioneiros de geração a geração. Não podem sair do lugar que estão, pois estão acorrentados, somente podem olhar para uma única direção, e alguma luz viria de fora por meio de uma espécie de feixe da caverna. Essa luz que se descortina do exterior é uma fogueira. Entre os acorrentados e a fogueira, há um caminho que se localiza uma mureta, espaço das marionetes, onde indivíduos transportam uma infinidade de estátuas. O que os prisioneiros conseguem enxergar são as sombras das estatuas transportadas, não conseguindo identificar nem os indivíduos, nem as estátuas transportadas. Os prisioneiros, de imediato inferem que suas visualizações correspondem às coisas reais, todavia, estão incertos se essas visualizações equivalem à sombras, não fazem idéia da razão de haver a fogueira e a luz. Para eles, a única luz é a que ilumina a caverna. Platão questiona qual seria a atitude do prisioneiro se soubesse da verdade, se alguém o libertasse de suas amarras. O individuo libertado, no primeiro momento, iria titubear, devido ao grande tempo que ficou cárcere e privado da luz, essa luz da fogueira, que representa a luz solar, o cegaria. Mas em seguida, caminharia à entrada da caverna, e uma vez acostumado com a luz solar, contemplaria as próprias coisas e chegaria a conclusão de que a maior parte da sua existência foi pautada na crença de que as sombras que visualizava correspondiam às próprias coisas. Uma vez reconciliado com a realidade circundante, o indivíduo libertado regressaria novamente à caverna para transmitir a boa notícia aos demais prisioneiros e esboçaria a ação de libertá-los. Mas os prisioneiros da caverna não dão crédito as palavras do individuo libertado e o juram de morte se ele tentar libertar os prisioneiros.