quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Compaixão é fortaleza

Compaixão vem da palavra latina compatire. Podemos dizer, de maneira geral, que compaixão é um sentir com o outro, ou seja, olhar a miséria e a desventura alheia, reconhecendo também sua condição frágil, e colocar-se no lugar do outro. A partir do momento que isso ocorre, o que era alheio se transforma em próximo. O que não tinha nada a ver com a minha vida, acaba se tornando fundamental. É um afeto que se aproxima da carência do próximo. Uma coisa é o sentir e outra coisa é o mover-se em direção. O sentir é "affectus' e o mover-se em direção é "motus". Compaixão é a consonância entre amor (affectus) e vontade (motus). Compaixão sem amor recai em um assistencialismo superficial e sem sentido. Compaixão sem vontade recai em uma alienação estéril, um impulso que não tem a capacidade de se materializar. Em outras palavras, compaixão é mais do que sentimento, vontade e obras isoladas. É reconhecer a desgraça de alguém com as seguintes indagações: "e se fosse eu que estivesse nessa situação ?", "o que faria se aquele que sofre fosse eu, e o que tivesse a possibilidade de ajudar fosse a pessoa que sofre ?" O colocar-se no lugar se conecta no contexto do reconhecimento da finitude humana. Hoje é ele e amanhã poderá ser eu. Ninguém é tão virtuoso que possa dispensar a compaixão. Ninguém é tão miserável que não possa ser compassivo. Por isso que a compaixão é fortaleza na medida em que há a possibilidade de se reconhecer a carência e miséria humana e há um movimento desprendido e gratuito em direção ao outro com a finalidade de transmitir o bem. Contudo ninguém pode dar aquilo que não recebe. O anúncio (kerigma) do evangelho não é um sistema de idéias, uma filosofia, mas um amor vivo, atraente e sedutor, experimentado em uma pessoa: Cristo Jesus, Verbo de Deus. Ele é o amor encarnado, a compaixão revelada e a justiça ensinada. Ele é o divisor de águas entre uma ideologia que preconizava a vingança e a mentalidade de fazer o bem sem olhar a quem. É do Verbo de Deus que recebemos a medida da compaixão sem medidas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paulo e a vaidade da santidade

Saulo. Judeu culto e zeloso pelas coisas da religião. Aquele que era o mais pérfido perseguidor dos cristãos. Literalmente caiu do cavalo. Estava cego desarmado diante daquele que mais perseguiu nos inúmeros cristãos mortos. Saulo, Saulo porque me persegues naqueles que me anunciam ao mundo? Daquele que perseguiu incansavelmente os cristãos, se transformou em um incansável pregador e evangelizador. Paulo. Apóstolo de Cristo e dos gentios, profeta além-fronteiras geográficas e humanas. Uma das partes da Bíblia que mais me fascina é II Coríntio 12,9 : “Basta-te a minha graça pois é na fraqueza que se manifesta totalmente a minha força” No contexto de II Coríntio 12, Paulo refere-se às visões e as profecias. Ele admira um homem que teve uma experiência mística. Mas tem pouca estima ser apreciado por fazer o que fazia. Há um perigo muito grande – a vaidade de ser bom – de se achar melhor do que os outros – de se julgar superior aos demais pelos dons ou talentos que se possuem. Mas como a força pode ser manifestada na fraqueza humana? Paulo nos indica uma pista no versículo 9: “... prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo.” É preciso mais confiar na força e no auxílio divino do que confiar nos projetos humanos. Por mais que o humano faça, sempre haverá um déficit, uma carência. Mais do que reconhecer essa carência, é preciso confiar em Deus, quando o entendimento me é limitado. Quando sou menos eu, sou mais tu, sou mais de Deus e sou mais eu.

São Paulo: Tradição e inovação

São Paulo. Cidade com o nome do grande apóstolo de Jesus. Cidade sem fronteiras com o mundo ao redor. Terra de negócios, terra de encontros, terra que sabe acolher o estrangeiro. Eixo da economia brasileira. Suas noites são sedutoras, mas em pleno dia só vemos arquitetura petrificada. Se quiseres conhecer São Paulo, conheça seu centro, conheça seu interior. Praça da Sé. Marco zero. Pátio do colégio. São Paulo nasceu aqui. Estação da luz. Obra dos ingleses. Estação Júlio Prestes. Seu charme e seu encanto. Edifício Copan. Escultura do gênio Oscar Niemeyer. Teatro Municipal. Cartão postal e sede da semana da arte moderna de 1922. Prédio históricos e suas confidências. Solar da Marquesa. Arquitetura urbana do século XVIII. Largo da memória. Nas sinuosidades do vale do Anhangabaú. Seu passado de glórias, se mistura com sua marcha à atualidade. Parabéns, São Paulo!

Prece de um aniversariante

Senhor

Eu que atravesso o limiar de mais um ano

Tento te falar com meus versos provincianos

Pois se há alguma luz em mim

É essa luz que vem de Ti!

Senhor

Eu que sou pequeno e tão mendicante

Eu não quero caminhar errante

Sou aquele menino carente

Que precisa de um colo - um confidente.

Abraça-me a vida

Envolve-me o tempo

Aumenta-me os medos

Mas estou seguro em Seu coração.

Mais do que consciente

Que sou a verdade do seu querer

E se queres - o que eu poderei temer

Se me acompanhas neste chão.

Obrigado por seres quem Tu És!

Obrigado por me mostrar quem eu sou

É por que vais na frente - que na vida eu vou!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Disciplina é liberdade

Quando se ouve falar em disciplina, quase sempre se associa com prisão, enclausuramento, algo que tolhe a liberdade humana. Quase sempre o senso comum associa a disciplina como inimiga da liberdade. Deriva da palavra discípulo, aquele que segue. Discípulo é aquele que escuta e põe em prática aquilo que aprendeu. Aprendemos a estabelecer regras e normas para os nossos dias, de acordo com as nossas necessidades. Não se pode alcançar qualquer ideal, meta ou objetivo, sem que haja uma disciplina, uma conduta que leve ao caminho ou resultado pretendido. Contudo, a disciplina nos faz abdicar de muitas coisas, nas quais, gostamos muito. Quando pretendemos alcançar objetivos na vida, estabelecendo uma disciplina adequada, temos que abrir mão de muitos gostos pessoais para que possamos desfrutar mais tarde, do fruto da labuta. E quando estabelecemos um objetivo, pensamos sobre como seria possível realizá-lo, refletimos uma rotina favorável à realização do objetivo, estamos administrando bem o tempo. Estamos sendo eficazes. Eficazes são aqueles que utilizam menos recursos para mais resultados. Eficientes são aqueles que utilizam mais recursos para os alcançar os resultados. Disciplina é saber utilizar as coisas da forma adequadas, sem desperdiçar e sem carecer e chegar a um resultado razoável. Penso nos indivíduos que fazem questão em dobrarem a noite em seus turnos de serviços. Alguns não conseguem ser eficazes, e precisam abdicar de seu tempo de vida social e familiar para regularizar seu serviço. E quando fazemos as coisas que devemos fazer um esmero, disciplina e organização, usamos bem o tempo. Disciplina é basicamente saber utilizar o tempo em benefício próprio, para facilitar a vida. E sabendo utilizar bem o tempo e as coisas, sou administrador dessas variáveis, e não me torno escravo de nada e de ninguém. Me torno pessoa livre e responsável pelas coisas e pelas pessoas.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A brevidade da vida em Sêneca

Porque Sêneca se dedicou a escrever sobre a temática da brevidade da vida? É importante salientar que em nenhum momento Sêneca quis conceber uma filosofia original, pois segue uma tradição helênica de sua época. Isso significa dizer que o seu pensamento possui marcas profundas do pensamento estóico, platônico e aristotélico. Isto não é bem visto ao olhos dos cientistas modernos, que cravaram tanto para Sêneca, quanto para Cícero, ambos pensadores romanos, escritores de menor magnitude, uma vez comparado com pensadores que perseguiram uma certa originalidade por assim dizer, como Platão e Aristóteles. Em todo caso, o erudito que se preze, deve necessariamente percorrer os grandes temas da Filosofia, como por exemplo, a verdade, a vida, o erro, a morte, e a brevidade da vida está inserida no contexto dos grandes temas tratados pelos pensadores que marcaram a história da humanidade, de uma certa maneira. Sêneca, de certa forma, realiza uma releitura de temas recorrentes. E qual seria a relevância de tratar sobre a brevidade da vida para Sêneca? Antes de entrar na temática, é salutar entender que a estrutura textual é a da carta, que caracteriza o escrito em uma relação de amizade (philia), de proximidade. Há uma nítida preocupação com o interlocutor, no sentido do autor antecipar-se ao interlocutor no que se refere suas possíveis dificuldades. Sendo assim, a estrutura de carta nada mais é do que uma narrativa. Dentro dessa narrativa, Sêneca está a procura da compreensão sobre a condição humana, condição essa marcada pela égide da fragilidade, finitude. O homem está submerso no tempo (khronós) , dimensão sucessiva de passado, presente e futuro. O passado já é um velho conhecido, o futuro é incerto e causa medo e o presente uma mistura de passado e futuro no qual o indivíduo está inserido. Ao questionar sobre as suas próprias fragilidades, o indivíduo se coloca à margem de sua própria finitude, por assim dizer, e esbarra com a eternidade (aion). Porque o indivíduo precisa da eternidade para compreender sua própria condição humana?Não sendo fácil para qualquer homem viver o tempo presente, ele necessita de uma perspectiva superior e metafísca, pois suas carências e fragilidades o confrontam e o inquietam a todo instante. E a eternidade tem a finalidade de ser a ausência do tempo, privação de ciclos, sinônimo de permanência, estabilidade e imutabilidade. O tempo, ao contrário, é a contínua sucessão de movimento entre presente, passado, futuro. Contudo, se podermos estabelecer um princípio imutável para o tempo, esse princípio é a própria mudança, alteração. Logo no começo da brevidade da vida, Sêneca critica a postura daqueles que associam a brevidade da vida como sendo um castigo, uma praga divina. E por qual motivo a morte seria um castigo divino?Dentro dessa questão de cunho teológica, é necessário estabelecer duas considerações a cerca da impressão do homem sobre si mesmo e sobre a temporalidade. Uma primeira consideração que precisa ser colocada é que o homem concebe-se eterno, imortal, considera que as desventuras da vida, bem como as desgraças sempre se dão com os outros, nunca com ele mesmo. Dentro desse registro, não estamos longe, de forma nenhuma do homem contemporâneo. Uma segunda consideração que também precisa ser colocada é a concepção de que o homem considera que o tempo é eterno, ou seja, infinito. Uma vez que o homem assevera que o tempo é ilimitado, pode se dar ao luxo de desperdiça-lo da forma como achar conveniente. Novamente, não estamos distantes do individuo hodierno. Tanto na primeira, quanto na segunda considerações há a impressão humana da eternidade que duela o tempo todo com a realidade temporal. Na primeira, o indivíduo considera-se eterno, mas está orientado nos limites da finitude, da temporalidade, das suas próprias carências e fragilidades. Na segunda, o indivíduo considera o tempo como eterno, mas o tempo é caracterizado pela sucessão de presente para o passado e futuro em presente. Em ambas as observações, o indivíduo confunde os limites eternos com os limites temporais.E quais as consequências desse individuo ser indiferente consigo mesmo e com o tempo que é dado a ele para viver? O indivíduo que pensa que é eterno, é autosuficiente, pronto, acabado, não vê e nem sente a necessidade de depender de ninguém para o que quer que seja. Passa a ser indiferente ao outro, pois não entende que possa depender dele. Mais ainda: se o indivíduo se considera ilimitado, ou seja, não julga necessitar de nada e ninguém, para ele o tempo também será eterno, o que fará com que ele se prenda à aquilo que não é realmente importante, o efêmero (epi + hemeros). E o que seria o efêmero para Sêneca? Seria o não seguir a natureza (kata – physin), é considerar o eterno como passageiro e o passageiro como absoluto. Isso fará com que o individuo caia na indiferença com os outro e ao tempo, terminando na superficialidade das coisas, como por exemplo na acumulação de riqueza. O que seria seguir a natureza? Para o estoicismo, a natureza possui dois princípios: passivo (ausência de qualidades e matéria) e ativo (age na matéria e molda a sua razão de ser). De uma certa maneira, abarca a razão e também a divindade. Seguir a natureza corresponde a não contrariar a razão universal, na qual todas as coisas e o próprio homem está inserido. Com a palavra, Sêneca, que segue à risca o estoicismo: “... como todos os estóicos, saibas que sigo a natureza” é sábio não se distanciar dela e obedecer a seu exemplo e lei. A vida feliz é, pois, aquela adequada à natureza...[1] Porque a acumulação de riquezas poderia ser considerada como uma efemeridade? Porque o indivíduo que pensa em acumular, em tese, estaria unica e exclusivamente preocupado com o futuro e com o seu amanhã, não dando a menor importância para o presente na qual está inserido. Pensa em ter abundantes bens quando abater sobre ele os dias maus e desventurosos, mas não se dá conta que o presente está correndo como um líquido que foge às mãos. A preocupação de Sêneca, I d.C sobre o dia de hoje é a mesma preocupação de Horácio I a.C, em seu poema Ode (I, XI): "Tu não procures, conhecer não deves, o fim que a mim, A ti concederam os deuses, ó Leucone, nem experimentes os números babilônicos. Melhor sofrer o que quer que seja! Seja muitos invernos, seja o último que Júpiter te concedeu, e que agora o mar Tirreno quebra contra os rochedos, sejas sabia, filtre os vinhos, e pelo curto espaço de tempo suprimas qualquer longa esperança. Enquanto falamos, o tempo invejoso foge: aproveita o dia, (carpem diem) muito pouco crédula no que virá.” Eis aqui o trecho do famoso trecho do carpem diem, cuja a tradução mais aproximada é a do colher o dia. A preocupação horaciana se aproxima de Sêneca no sentido de que o hoje tem a necessidade de ser vivido intensamente, sem maiores apegos no que virá no dia de amanhã e que os homens possui a estranha tendência de informação sobre o que virá e sobre qual seja o seu fim. Assim se encontram fazendo planejamentos minuciosos e calculistas, debruçando-se somente sobre o que virá, e portanto, dando as costas ao seu tempo presente. E o que justificaria o homem acumular e planejar o futuro? Já que o passado é conhecido do homem, o já foi, e o presente, de uma certa forma, já ser conhecido, o amanhã causa medo e pavor pois é uma fronteira desconhecida para o homem. E para se precaver e cercar-se de cuidados, às vezes de perigos imaginários e até ilusórios, ele apega-se às coisas materiais, bem como a acumulação de riquezas e esquece de colher o dia que generoso a ele se oferece. Até mesmo Jesus de Nazaré, que se coloca entre Horácio e Sêneca, longe de ter preocupações puramente teóricas e filosóficas sentenciou: “ (15) ... Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui. (16) E propôs-lhe uma parábola, dizendo: A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância; (17) E ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. (18) E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; (19) E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. (20) Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (21 ) Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus. (22) E disse aos seus discípulos: Portanto vos digo: Não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o que vestireis. (23) Mais é a vida do que o sustento, e o corpo mais do que as vestes. (24) Considerai os corvos, que nem semeiam, nem segam, nem têm despensa nem celeiro, e Deus os alimenta; quanto mais valeis vós do que as aves? (25) E qual de vós, sendo solícito, pode acrescentar um côvado à sua estatura? (26) Pois, se nem ainda podeis as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras? (27) Considerai os lírios, como eles crescem; não trabalham, nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. (28) E, se Deus assim veste a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? (29) Não pergunteis, pois, que haveis de comer, ou que haveis de beber, e não andeis inquietos.” [2] O Nazareno questiona sobre o questionamento excessivo sobre o dia do amanhã, pois a preocupação excessiva sobre o que virá, nos desviaria do dia de hoje, das preocupações decorrentes do hoje. E porque viver o dia de hoje é mais importante do que se debruçar sobre o amanhã? As preocupações do dia de hoje seriam reais, pois o dia de hoje está acontecendo neste exato momento, e requer toda a nossa diligência, atenção e cuidado para bem viver o hoje com toda a intensidade possível. As preocupações do dia de amanhã são irreais comparadas ao hoje, pois o amanhã ainda é uma possibilidade que ainda não chegou. É por isso que devemos escolher viver o hoje, com todas as suas preocupações e possibilidades, que são reais do que o amanhã que é mera virtualidade e potência, que são irreais sob a ótica do que se manifesta a nós, ou seja, a do hoje. Abrir-se as possibilidades do dia para não se fechar nas próprias expectativas. Mais uma vez o embate entre a imaginação e a realidade. Qual é o caminho para a superação da brevidade da vida? Sêneca responde que o caminho para a superação da brevidade da vida é o distanciamento, a meditação, pois é com ela que o sujeito necessariamente reconhece a efemeridade humana e pode ser capaz de fornecer uma resposta a altura de sua questão sobre o efêmero e o vão. Todavia, não realiza essa meditação de forma ilesa ao tempo. O ocupar-se da meditação necessita de tempo, e está no ócio (scholê). O ócio da meditação é o oposto ao ócio do desperdício do tempo. Enquanto na meditação, o sujeito reflete sobre sua vida, com a finalidade de imprimir em sua existência intensidade e qualidade, no que se refere ao dia de hoje, o ócio do desperdício do tempo é o passatempo daqueles que se julgam o tempo e eles próprios eternos e utilizam o tempo como se fossem ilimitados, como se não fossem passar pela morte. O sujeito sofre uma afecção externa, que produz uma paixão (pathós). Essa paixão (pathós) pode resultar em uma ação prática, criação (poiésis). Há casos em que a afecção externa sensibiliza o sujeito e ele não responde. E qual seria a motivação de não responder? Talvez possa ser por estar bem instalado e acomodado na sua situação atual e não querer se deparar com uma mudança, que significaria, de certa maneira, uma ruptura com o seu estado atual, uma reorganização que não é conhecida e que gera um certo incômodo e desconforto. A compreensão da identidade passa pela perspectiva de viver em função da paixão e em função da criação. O processo de criação põe um fim à indiferença que havia quebrado o ciclo da poiésis. Quebrando a indiferença, posso fazer o bem e a partir desse bem feito a alguém encontrar a minha própria renovação, pois o que há de melhor no homem é tornar-se melhor homem a cada momento. Na intervenção humana do fazer o bem a alguém, o agente que realiza o bem continua, renova-se na relação com o indivíduo receptor deste bem. A virtude (aretê) aqui se desvela como a possibilidade humana de intervir em favor do próximo. E a virtude não está na palavra, nas no ato concreto, conforme Sêneca: A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O seu fim não consiste em fazer-nos passar o tempo com alguma distração, nem em libertar o ócio do tédio. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos actos, em apontar-nos o que devemos fazer ou por de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos. Sem ela ninguém pode viver sem temor, ninguém poder viver em segurança. A toda hora nos vemos em inúmeras situações em que carecemos de um conselho: pois é a filosofia que no-lo pode dar.” [3] A Filosofia não é puramente teórica ou especulativa; as reflexões proporcionadas por ela deve necessariamente levar a uma atitude prática. Assim, ela também poderia ser considerada como um remédio, terapia que ocasionará ao indivíduo o bem viver. Essa orientação do bem viver está diretamente relacionado com a natureza humana, tema esse que os estóicos já haviam se debruçado e Sêneca apenas irá fazer uma recapitulação.E porque haveria a necessidade de fazer o bem, da ação virtuosa? Ninguém nasceu pronto, já previamente estabelecido, mas em condições de aperfeiçoamento (teleousi). Se o indivíduo chegou à consciência de aperfeiçoamento, necessariamente passou pelo processo reflexivo, dedicando-se ao ócio criativo do pensamento crítico e centrado, que se opõe diametralmente ao ócio do desperdício temporal, e que se opõe ao negócio, a negação de qualquer espécie de ócio. Qual seria a vantagem de superar a brevidade da vida? A superação da brevidade da vida consiste em uma vida bem vivida, com intensidade, centrada no hoje. Isso representa uma vida qualitativa que se opõe drasticamente a vida quantitativa, uma vida observada apenas em sentido numérico, na qual surge espontaneamente a distinção entre viver (qualitativo) e existir (quantitativo). Isso somente seria possível graças à meditação que nos levaria à felicidade que corresponde à vida contemplativa (bios theoretiké). Cabe ao homem tornar o tempo oportuno (kairós) de seu aperfeiçoamento (teleousi).

[1] Sêneca, L. A. A vida feliz. III. p. 27.

[2] Lucas 12, 15- 29 - http://ie6.bibliaonline.com.br/acf+acf/lc/12

[3] Sêneca, L. A. Cartas a Lucilio. carta 16, 3. p. 55.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A condição humana da efemeridade

"Em pouco tempo o prazer dos mortais cresce e cai por terra,

Tendo sido abalado por um pensamento adverso.

Efêmeros: o que é alguém? O que não é?

O homem é o sonho de uma sombra.

Mas quando o brilho dado por Zeus retorna,

Uma luz brilhante repousa sobre os homens

E a eternidade é suave.”

A tônica do poema de Pindaro é a condição humana da efemeridade. O que seria ser efêmero? Do grego, efêmero (epi + hemera) significa literalmente por um dia, o que não possui uma longa duração, passageiro, volúvel, não consistente. E como se daria essa condição humana de ser efêmero? Nos versos do poeta grego, há uma clara referência de um embate entre a condição humana de ser efêmero e a eternidade (aion), um duelo entre a tempo (khronós) e a eternidade (aion), O tempo caracterizado por fluxo constante de movimento, que abarca o passado (o já não), o futuro (o ainda não) e o presente (reconcilia o já não e o ainda não na duração do agora. A eternidade (aion) é caracterizada pela ausência da temporalidade, carência da finitude, não está demarcada pelos limites espaço-temporais.Para a reflexão das próprias fragilidades, é preciso colocar-se à margem das próprias fragilidades. Em outras palavras, é preciso sair do território da finitude para lançar um olhar mais apurado sobre a condição humana da efemeridade. É somente na distância das coisas circundantes, que conseguimos repensar com serenidade o que se passou conosco mesmo.Pindaro compara o homem a um sonho de uma sombra, uma nuvem passageira. Essa sombra em Platão nos remete ao mito da caverna, onde em uma caverna subterrânea, os seres humanos estão prisioneiros de geração a geração. Não podem sair do lugar que estão, pois estão acorrentados, somente podem olhar para uma única direção, e alguma luz viria de fora por meio de uma espécie de feixe da caverna. Essa luz que se descortina do exterior é uma fogueira. Entre os acorrentados e a fogueira, há um caminho que se localiza uma mureta, espaço das marionetes, onde indivíduos transportam uma infinidade de estátuas. O que os prisioneiros conseguem enxergar são as sombras das estatuas transportadas, não conseguindo identificar nem os indivíduos, nem as estátuas transportadas. Os prisioneiros, de imediato inferem que suas visualizações correspondem às coisas reais, todavia, estão incertos se essas visualizações equivalem à sombras, não fazem idéia da razão de haver a fogueira e a luz. Para eles, a única luz é a que ilumina a caverna. Platão questiona qual seria a atitude do prisioneiro se soubesse da verdade, se alguém o libertasse de suas amarras. O individuo libertado, no primeiro momento, iria titubear, devido ao grande tempo que ficou cárcere e privado da luz, essa luz da fogueira, que representa a luz solar, o cegaria. Mas em seguida, caminharia à entrada da caverna, e uma vez acostumado com a luz solar, contemplaria as próprias coisas e chegaria a conclusão de que a maior parte da sua existência foi pautada na crença de que as sombras que visualizava correspondiam às próprias coisas. Uma vez reconciliado com a realidade circundante, o indivíduo libertado regressaria novamente à caverna para transmitir a boa notícia aos demais prisioneiros e esboçaria a ação de libertá-los. Mas os prisioneiros da caverna não dão crédito as palavras do individuo libertado e o juram de morte se ele tentar libertar os prisioneiros.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O movimento para o imutável

É possível conceber um divórcio entre Física e Metafísica, ou não é possível essa distinção? É possível um acordo entre o imutável e o mutável? Kierkegaard concebe o movimento (kinesis) como uma transição. Transportando seu raciocínio para a filosofia do Estagirita, o movimento seria a transição entre potência e ato. A causa do movimento somente tem razão de ser se o objeto modificado não atingiu a sua plenitude. Quando não houver mais potência, não há mais a razão de haver movimento. A Física trata de fenômenos observáveis, na vertente do ato, enquanto a Metafísica concebe os fundamentos das coisas, a arkhé, cujo o horizonte é a dynamis, a potência. Tanto para Aristóteles, quanto para Heidegger a Física e a Metafísica não são antagônicas, mas são complementares. A orientação filosófica moderna, com o giro epistemológico do sujeito-objeto para objeto-sujeito, realizou o divórcio entre a perspectiva física e metafísica. Isso pode representar que a a potência perde a capacidade de mudança, de renovação. Aristóteles consegue enxergar uma relação entre o movimento (kinesis) e a eternidade (aion), pois o princípio de tudo para o Estagirita é a aitia, ou seja, a causa. O aion é aquilo que está fora da linha temporal, longe da descontinuidade. O tempo pressupõe o tempo todo o movimento, a descontinuidade. A razão seria a ruptura entre o antes e o depois. Para o Estagirita, o tempo não é meramente movimento; a racionalização temporal sugere o número (arithmos), onde a pausa é o intervalo descontínuo entre presente, passado e o futuro. O eterno representa a não distinção entre presente, passado e futuro, como se fosse um eterno hoje. Haveria uma articulação entre o discurso platônico do amor (eros) com o discurso aristotélico do eterno (aion)? O amor (eros) é filho de Pobreza (penia) com Recurso (poros) e a lembrança que o amor tem de Recurso é a busca da beleza (kalós), enquanto, que a lembrança que o amor tem da Pobreza é a necessidade. Quando o caminho se mistura ao caminhar, estamos diante da serenidade. Todavia, para que haja caminho (hodos) é salutar que haja o fundamento das coisas (arkhé) e a finalidade das coisas (telos). È nessa relação entre pobreza e recurso que está a perspectiva de renovação (ananeusis) humana e criação permanente. Para os pré-socráticos, a concepção de aitia está instrinsecamente relacionada com a responsabilidade humana. É preciso o movimento (kinesis) para chegar a ausência do movimento (akinesis), plenitude e efetivação daquilo que se é, a superação da necessidade do movimento. Seria possível pensar o desejo como causa do movimento? E a relação entre fé (fides) e razão (ratio)? E como a confiança (pistis) e o movimento (kinesis) pode se relacionar com o amor (eros)? É preciso analisar que há coisas que causam sem serem causadas, isto é, movem sem serem movidas, alteram sem serem alteradas. O desejo seria a marca divina no homem, tanto pela vida do racional, quanto pela via do inteligível. Aquilo que é objeto da fé é o ininteligível, o estranho. Aquilo que é objeto da razão é tudo o que for intelectível. Assim seria possível ter confiança (pistis) em Deus, sem que Ele seja objeto de intelecção. E o desejo como causa, pode remeter o tempo todo para Deus. Deus pode ser conhecido pela via do amor (eros) e do desejo (epithymós) ou pela via do inteligível (noethos). A via do amor e do desejo é o plano do ininteligível, e nem sempre conseguimos conhecer o que vem a ser o objeto do nosso amor e desejo. A plenitude intelectiva é a superação da dimensão temporal do antes e do depois, e isto pode ser feito pelo número (arithmos) e pela razão (logos). A aproximação entre número e razão é a própria aproximação da matemática com a razão.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Amor e renovação

O Eros na mitologia grega correspondia a um deus cego. Seria uma relação universal que se daria pela diferança (Heteros). O conhecimento como uma relação erótica passa pela relação com estranho, com o diferente (Thaumazein). O banquete é a própria representação da luxúria, emblema do exagero da comida da bebida e do sexo. O amor é tratado como uma entidade, um elogio do amor enquanto um deus. Não se trata de um amor histórico, marcado pelo espaço e tempo, mas sim, um amor divino, trancendente. O amor está relacionado com ato (Energéia) e potência (Dynamis). O amor é uma inteiração entre ato e potência, e não pode haver amor na falta de um desses elementos. Energéia sem Dynamis é pura virtualidade, não-consolidação. Dynamis sem Energéia é pura imitação, que recai em um automatismo que está diametralmente oposto ao princípio da natureza. A Dynamis do amor não garante a renovação do homem.A definição de amor gira em torno da Natureza (Physis) e da essência (Ousia). A Physis para os gregos está relacionado com o movimento cíclico. O amor precisa ter um objeto a ser amado. Se não há um objeto de espanto, de perplexidade, de admiração (Thaumazein), que consiste no reconhecimento do diferente, do estranho, não há sobre o que filosofar. Aqui há o germe da concepção de graça, mais tarde explanada por Agostinho de Hipona. Amar para os gregos é Eromai e corresponde a dialogar. No banquete, há a aproximação de desejo (Epithymia) e Eros (Amor), quando o desejo é satisfeito, o amor finda. Seria preciso reconhecer a falta (Kakos) do bem (Agathós) externo, pois o reconhecimento da carência é a condição necessária para o amor.Entra em cena a perspectiva da salvação (Sotero), no sentido de conservar a vida, de eternidade. O amor possui duas vertentes da carência: a de não possuir aquilo que se deseja, e a de possuir e ter a possibilidade de perdê-lo. Schelling, em seu livro A essência da liberdade, afirma que; “Só conhecemos o uno a partir da mudança.” Plotino faz a aproximação de beleza (Kalós) e bem (Agathos). Para Kierkergaard, o movimento que nos leva a amar passa pela perspectiva da angústia, que traria uma aporia, traduzida como sem saída. A aporia seria uma dádiva divina, pois seria uma ruptura de um caminho para reorganização, possibilidade de recriação humana. A razão nos levaria a uma aporia, a uma contradição. Para o indivíduo resta duas possibilidades: sucumbir perante à contrariedade ou a sua renovação completa. Nietzsche afirmava que o que não nos mata, pode nos tornar mais fortes. A prudência (Phronesis) como virtude (Aretê) aqui entraria como a intervenção do divino no humano. O divino seria a medida da ação prudente. Retomando a ligação com a pobreza (Penia), que pode ser tanto ter a conotação material quanto espiritual, é movida pela necessidade (Ananké). A condição humana, seria nada mais do que o fruto entre Poros e Penia. Poros seria um deus, uma entidade transcendente que se relacionou com Penia, a Pobreza, uma mortal miserável. Se a miséria fosse extinguida da terra, o homem seria muito pior, pois a pobreza traz a moderação (Phronesis) e a riqueza (Ploutos) a insolência. Assim, o amor não é natural, seria preciso concebê-lo para a intermediação entre o eterno e o passageiro. O amor oscila entre imortalidade e mortalidade. Então, a possibilidade temporal da vida seria essa relação com o amor, relação de ser peregrino, estrangeiro. Aqui estaria a gênese do homem novo, da renovação (Ananeusis), da ressurreição (Anabiôskomai). Seria preciso uma relação constante com o divino, e em um determinado instante (Kairos – Num), poderia haver a renovação do homem. O eterno entra nos limites da razão humana.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Águas de Janeiro

Cai a gota Cai a chuva E nada muda Quando começa a mudar. Cai a lágrima Vem os soluços Um grito mudo Se encerra em meu penar. São as águas Águas de Janeiro Essa chuva traz o cheiro Do que há melhor no ar. São traiçoeiras Mesmo quando alivia Sua força até intimida Os mais fortes de lutar. Um só coração Um antro de sentimentos Minha coleção de medos Que trago no altar. O vidro que embaça E as escamas dos olhos Misturam em abrolhos Quando estou a meditar.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Memórias de um office-boy

02 de Janeiro de 2001. Há exatamente 10 anos atrás comecei a trabalhar como qualquer garoto de 18 anos que se preze. Comecei como Auxiliar Administrativo - Office-boy no Banco Nossa Caixa. Não tinha experiência em nada, estava apenas começando. Não sabia nem ao menos mexer no fax. Disse que tinha experiência administrativa, mas no fundo não tinha. Fiz de tudo. Reguei as plantas das gerentes de tecnologia. Paguei contas de gerentes e analistas. Até cheque na cueca. Explico-me. Uma gerente me pediu para fazer um depósito de uma quantia bem elevada e me passou um cheque. Pensei: o lugar mais seguro era a cueca e assim foi feito. Fiz serviços de office-boy pelo centro de São Paulo. Fazia rápido o que era para ser feito e depois passeava jogava fliperama me divertia. Aquele ano de 2001 foi intenso de aprendizado com a vida com as pessoas e com as broncas da minha chefa. Os anos se passaram. Naquela época já cantava e tocava violão. Formei-me em Sistemas de Informação. Formei-me em Filosofia. Amores foram. Amores vieram. Amores voltaram. Tornei-me analista de sistemas. Passei por algumas empresas. Quase entrei no seminário católico dehoniano por duas vezes. No momento da decisão pedi as luzes de Deus e decidi não entrar. Foi uma das maiores experiências do amor de Deus que eu pude ter na minha vida. Há exatamente 10 anos estou trabalhando buscando ser melhor profissional e também um melhor humano. Trabalhando e percebendo as pessoas no ambiente de trabalho. Tudo aquilo que não volta à origem padece. Quase sempre me pego a buscar o office-boy neste analista de sistemas. Harmonizar a simplicidade com a nobreza de pensamento. Foi aí que descobri a Filosofia. Confesso que ainda estou descobrindo a vida e tomara que eu tenha muito mais de 10 anos passados para contar o que vivi. Sou office-boy da vida, vou pelas ruas, construo sistemas, reparo defeitos para ao final da tarde, abstrair a realidade, ao som de uma viola caipira.