segunda-feira, 14 de março de 2011

Confissões de um neto carente de um colo de baba

Quantas vezes você me carregou nos braços. Quantas vezes você me afagou com seu cuidado de vó. Quantas vezes você me fez adormecer em seus braços. Quantas vezes você se deixou por vencer por inúmeras chantagens de seu neto. Quantas vezes você me dispensou seu carinho tão gostoso. Quantas vezes você esteve presente quando tudo era escuridão. Quantas vezes jogávamos dominó e você me deixava ganhar até aprender a jogar um pouquinho como tu jogavas. Quantas vezes me contava histórias da Segunda Guerra Mundial fazendo brilhar meus olhos de menino. Quantas vezes me confundia meu nome com o do Chachá com o do Adriano com o do Aryel. Quantas vezes subia a ladeira da Waldemar Martins para trazer pão fresquinho e sentar com a gente para tomar aquele café da manhã bem gostoso. Quantas vezes você se cansou, porque queria ver os outros mais felizes. Quantas vezes estivemos juntos e você me ensinava a lição da vida a face mais bela da existência humana. Quantas vezes me disse que eu deveria ser mais amável para com todas as pessoas e não importava quem. Quantas vezes me disse para dar valor a família, pois nesta terra era a única coisa que eu poderia possuir. Quantas vezes a gente se divertia com suas palavras carregadas de sotaque russo que a fazia ficar sem jeito e algumas vezes até fora do sério. Quantas vezes escutei você dizer: “sou louca por meus netos!” “não mexam com meus netos e bisnetos”. Quantas vezes me mostrava as mesmas fotos de seus parentes russos. Quantas vezes me contava as histórias de sua infância e adolescência. Quantas vezes me comparava com seu irmão que tanto estudou e até me achava parecido fisicamente com ele. Quantas vezes me acompanhou pela janela quando eu ia trabalhar. Quantas vezes a gente comia aquela pizza de mussarela que tanto você gostava e até pedia para pagar a conta. Quantas vezes você me dizia: “Vai com Deus!” e eu nunca partia sem sua benção. Quantas vezes você foi forte firme,quase que invencível. Uma vez lhe perguntei qual era a sua música preferida e ela me disse que era “Churrasquinho de Mãe” de Teixeirinha. Miudezas da vida que só quem ama pra valer pode conhecer. Retalhos de tempo que a memória se encarregou não somente de armanezar mas de eternizar. Você acompanhou tudo de mim, me acompanhou todos os momentos da minha vida. E quando eu fui entender um pouquinho sobre a vida, recebi a notícia de que você havia partido. O que era de vidro se quebrou em mim. Tinha aprendido a ler a vida por aquilo que dizias. Tinha aprendido a ser da paz por você, que viu com seus próprios olhos os horrores da segunda guerra mundial. Mas mesmo nesse faltar de chão por entre as minhas lágrimas pude recordar quantas vezes tive a oportunidade de dizer “Eu te amo” e o quanto pude transformar essa palavra em atitude que acariciava o seu ser. O tempo te desgastou, o tempo te levou, mas você foi altaneira, incansável. Uma vida assim não morre, uma vida assim não passa. O tempo venceu o teu corpo,mas não venceu as tuas palavras e exemplo. O tempo venceu a sua idade, mas nem sequer esgotou a sua intensidade de amar. O tempo encerrou o teu ciclo,mas a tua vida continua em Deus tal qual um mar que desagua em um oceano de perder de vista. Te levo no sobrenome Czepurnyj com honra carinho e responsabilidade trago o teu sangue em minhas veias. Trago na memória na alma e no mais intimo do coração as suas palavras o seu exemplo o seu olhar. Nem que eu quisesse eu poderia te esquecer. Como esquecer o inesquecível ? Diante do teu corpo pálido e frio, senti as suas gélidas mãos, percebi quanta vida que deixaste em mim, quanta vida deixaste em sua familia, amigos e patrícios russos. Nessa partida tão inesperada, aprendi que há dois lugares nas quais o tempo não pode chegar: a memória que preserva as tuas palavras, exemplo, a tua pessoa, e a eternidade, nossa gênese e fim. O tempo, o eterno vilão, que faz a gente morrer aos poucos, antes da definitiva despedida nessa terra, nunca poderá vencer a memória e a eternidade. Os sentidos captaram momentos únicos e inefáveis, mas o amor se encarregou de tornar esses momentos para além do tempo. Se a nossa memória pode preservar tanta vida de tua vida, tanto amor de teu amor, tantos momentos que não cabem na semântica da palavra tempo, quanto mais estás preservada e em paz na mente e no coração de Deus. O pensar divino confere essência e existência. Essência, pois és imagem e semelhança de Deus, existência, pois foste um querer divino que se tornou carne, contudo, nossa vida não se limita a esta casa de argila frágil que se desgasta com o tempo. Para além do horizonte dessa vida, há mais vida, na qual os olhos não podem enxergar. E é a partir desta tenda humana, que é o nosso corpo, que somos chamados a fazer a diferença no mundo em que vivemos. Mas entre o tempo e a eternidade, cá estamos nós, com a saudade de você, com lágrimas no olhar, e gratidão no coração, por ser sido um grande presente que Deus nos deu. O que resta a todos nós é amar a todos como se fosse o primeiro, o último e o único dia da nossa vida. Deus sabe melhor do que todos qual é o maior bem para cada qual, e nossa querida babá foi chamada para viver com Deus eternamente. Te damos adeus neste tempo e nesta terra. Te trazemos na mente, na memória e no coração, a tua imagem, nossos momentos, tuas palavras, teu exemplo, teus gestos, teu olhar, tua pessoa. Se a vida continua para nós que ficamos, muito mais para ela que está mais viva do que nós. Haverá o dia da gente se reencontrar. E num abraço haveremos de nos encontrar e ser incorporados no infinito amor do Eterno. Aprendi que seu cuidado de vó vale por mil mães. Deve ser por isso que me sinto órfão mil vezes de vó. Ah, minha amiga, minha irmã, minha vó, minha confidente – você levou a maior parte dos meus sonhos que ainda trago nos mais íntimos recônditos da alma. Eis seu eterno menino carente do seu colo. Nós te amamos. Ternamente e Eternamente. Até o dia eterno, baba!