quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A fé reconfigura a saudade


 

O tempo que separa da última vez em que nos vimos é o mesmo tempo que fez nossas vidas se encontrarem.

Do primeiro ao derradeiro olhar, histórias trançadas, temperadas nas intempéries e nos sabores da existência. 

Como não lembrar daquela moça que aliava tão bem a espiritualidade carismática e a espiritualidade vicentina, dos mais pobres dentre os pobres ?

Também quis se formar no entendimento da psiquê humana, fez da sua vida uma oferta gratuita aos que tinham machucados na alma!

Cássia muito se aproximou da não-palavra do que à palavra. 

Por isso que a tarefa de te descrever não é trivial. 

A complexidade da sua simplicidade se coloca naturalmente.

Os porquês quantitativos e qualitativos não te trarão de volta.

Os "para quês" também não te trarão de volta, mas poderão fornecer subsídios na caminhada.

Descobri o que é ser um com você! 

Quando se descobre o significado de ser um, não importa viver aqui, 

nesse tempo e espaço ou no supra-físico, afinal fomos, somos e seremos um.

Não foi o contrato de casamento que nos fez um. Mas a benção sacramental, ao pé do altar, selou essa unidade que ninguém pode destruir.

Cada momento vivenciado juntos. Os sorrisos. As lágrimas. As idas. As vindas. O reencontro. 

As confissões ao pé do ouvido. O que os olhares revelavam sem nada dizer. Não cabiam nas palavras.

A aliança temporal foi quebrada sem sequer arranhar a aliança da alma. 

Não há abismo nessa ausência, pois o mesmo amor que tornou a nossa vida uma unidade, ainda que incompleta e imperfeita,

fez a mim como eu sou e fez você como foste e sempre serás! 

A vida partilhada nas minúcias.

Construímos a nossa eternidade na fugacidade do tempo. 

Nem a morte impede um amor que se foi, se ele continua sempre aqui! 

A luz do seu olhar que tanto encontrou aos outros. 

Seu coração aberto onde tantos encontraram abrigo.

Seu sorriso pertence para sempre a cada coração que te encontrou! 

Uma lágrima no sorriso.

Um pôr-de sol no amanhecer.

Uma incurável saudade no processo humano de ser. 

Seu terno olhar sempre será um estímulo para prosseguir na vida.

Seu coração aberto continua a ser minha inspiração.

Mil vezes com você me casaria, ainda que soubesse do dia de sua partida.

Viver como se fosse o primeiro e o último dia da vida.

Na passagem entre a sala e o quarto se agudiza o menino que carece do seu abraço.

Como um cruzado nominalista, sigo pela existência acreditando que a tal felicidade, cantada e decantada nas publicidades e canções, não tem razão de ser no tempo.

Apenas momentos felizes ao longo do caminho que se forja caminhando. 

Momentos felizes alinhavados sob a ternura gratuita do Senhor. 

E se pude ser feliz, é porque pude partilhar e compartilhar a minha vida por você, com você e em você.

A recíproca também é verídica. 

Em tudo o que eu fizer sendo, também serás comigo!

O preço do infinito da tua ausência é a saudade, exposta à carne viva, saberá esperar! 

A fé reconfigura a saudade! 

Já conheces o lado verdadeiro da Vida!

Já conheces, sem imagens e sinais, Àquele que te amou e te chamou à vida!

Bendito seja o Senhor que te amou e te chamou à vida!

Essa vida que se fez partilha e comunhão com tantos e com Deus.

Sua vida é um maravilhoso hino de louvor ao Criador que sempre repercutirá entre nós!

Eu daqui, dessas paragens transitórias.

Você daí, dessas margens sem margens!

"Tu eras também uma pequena folha

que tremia no meu peito.

O vento da vida pôs-te ali.

A princípio não te vi: não soube

que ias comigo,

até que as tuas raízes

atravessaram o meu peito,

se uniram aos fios do meu sangue,

falaram pela minha boca,

floresceram comigo." (Pablo Neruda)

No dia de São Bernardo de Claraval, o cantor das maravilhas de Deus na vida de Maria,

seu no Senhor!