Bento XVI pode ser considerado o papa das virtudes teologais, papa do amor, da esperança e da fé, o papa que aproximou mais a Igreja do mundo da cultura e dos círculos acadêmicos, sem deixar de falar aos mais simples, com uma linguagem clara, precisa e com a segurança que lhe é peculiar. Um profundo teólogo, de altos conhecimentos, que conseguia traduzir a fé em palavras simples, de fácil alcance. Papa da conjugação entre fé e razão, fé e esperança, caridade e esperança, caridade e verdade, discipulado e missionariedade. Em um mundo descrente da palavra humana e da Palavra Divina que se fez carne e habita entre nós, um homem que não tem pressa em dizer e quando diz, diz com propriedade, com conhecimento de causa. Vamos retomar os principais escritos, discursos, acontecimentos dos 8 anos de pontificado de Bento XVI que deixa marcas profundas e indeléveis na vida da Igreja.
Já na missa “Pro Eligendo Romano Pontífice”, o cardeal Joseph Ratzinger denunciava que a barca dos cristãos fora surpreendida por inúmeras ideologias e modas como que arremessadas do marxismo ao liberalismo, até a libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo. E afirma que uma fé adulta não é seguir modas do momento, mas estar unido primeiramente a Cristo, amizade que nos faz humanos na plenitude dessa palavra e nos fornece o critério para discernir entre verdade e engano. O próprio Ratzinger afirma que ter uma clareza da fé professada, muitas vezes se torna motivo para o cristão ser rotulado como fundamentalista. Isso porque vivemos em uma ditadura do relativismo, que põe em questão não somente valores religiosos, mas valores humanos e tudo o que se reconhece como definitivo.
E o grande intelectual Joseph Ratzinger, que tinha sido prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, possuindo 8 doutorados Honoris Causa, se tornou Papa Bento XVI, dizendo em seu primeiro discurso que os cardeais o tinham elegido depois do grande Papa João Paulo II e o que o consolava o fato de Deus saber muito bem trabalhar com instrumentos insuficientes.
É o Papa do amor, pois no início do seu pontificado escreveu a encíclica “Deus caritas est”, apresentando que ser cristão não tem nada a ver com uma decisão ética ou uma idéia, mas é um encontro com a alguém que fornece um novo horizonte à nossa existência: O Deus Uno e Trino, que apresenta sua face humana, divina e misericordiosa através de Jesus Cristo. Nessa mesma encíclica, toca em temas de atualidades, como a banalização do amor, em sentido teórico e prático, alerta que a Igreja é o lugar privilegiado do amor, espaço na qual somos amados por Deus e formados para a grande missão de nossas vidas: ser sinal profético da presença de Deus entre os homens.
Em 28 de Maio de 2006, Bento XVI visitou o campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, palco de uma grande chacina humana, onde milhares de judeus de diversas nacionalidades foram executados em nome da suposta pureza racial sustentada por Hitler. O seu discurso questiona sobre o silêncio de Deus perante esse terror nazista, e pede a Deus que tal terror nunca mais seja visto na face da terra, pois se tratou de um vale escuro da humanidade. Tal discurso gerou admiração e perplexidade na mídia, principalmente entre os judeus.
No discurso na universidade de Regensburg em 2007 na Alemanha, Bento XVI pronuncia um discurso de defesa da fé católica, criticando o princípio da Sola Scriptura, de estirpe protestante, critica o pensamento teológico-liberal que predominou nos séculos XIX e XX e rechaça a ideologia niilista dos países que foram secularizados por uma ideologia racionalista e científica. Uma frase citada pelo Papa Bento XVI particularmente deixou o mundo islâmico agitado. Ao argumentar que o cristianismo é a religião da razão, do logos, ele citou uma frase de Manuel II, o Paleólogo, que afirmava três aspectos sobre o Islamismo: 1-) O Islã adotara a violência como metodologia de conversão, 2-) a violência fora a única novidade apresentada pelo Islã e 3-) Nada justificaria uma conversão a partir da violência, mas sim através de uma apologética, uma persuasão racional.
Bento XVI, em 2007, publicou um motu próprio, que do latim significa vontade própria, afirmando a riqueza da missa tradicional em latim, o sacerdote de costas para o povo, de frente para Deus, do rito de São Pio V, que nunca foi revogada, e assumindo-a como rito extraordinário da Igreja Católica, pois não poucos abusos em matéria litúrgica afeta o rito ordinário da missa que foi assumida pós Concílio Vaticano II. Inúmeros bispos do mundo todo foram resistentes a essa colocação do papa, por acharem que seria um retrocesso retomar a liturgia tridentina (de caráter propiciatório e sacrifical) , que na argumentação deles, o povo não entenderia (o que de certa forma é controverso) e mesmo que fosse de maneira extraordinária.
É o Papa da esperança, pois escreveu a encíclica “Spe Salvi”, ainda em 2007, que trata sobre a esperança cristã, em uma sociedade que é tão imediatista e utilitarista, como é a nossa. O Papa Bento XVI trata da intrínseca relação entre esperança e fé, onde afirma que a fé é substância da esperança. A fé cristã não se faz no mero seguimento de normas e preceitos, como uma mala pesada a ser levada nas costas. Trata-se de um olhar mais apurado e profundo, além do que conseguimos ver, algo que perpassa o “limite físico” da realidade na qual estamos inseridos. É aqui que é abordada a questão do purgatório, como fogo de amor que purifica, explicita o que vem a ser a vida eterna, que diferentemente do tempo, não representa uma sucessão de fatos com passado, presente e futuro, mas um “momento eterno” de mergulho no amor divino, na qual todo homem é chamado. A esperança cristã não é individualista, porque está alicerçada no amor, que possui uma dupla responsabilidade no mandamento divino: amar a Deus e amar o próximo. A esperança possui raízes profundas no amor, na caridade.
Em 2007 em sua visita pastoral, inaugurou os trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Amercano e Caribenho, canonizou no campo de Marte o era então beato Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, se encontrou com os jovens do estádio do Pacaembu, convocando os jovens a serem apóstolos dos jovens, vivendo a castidade e os valores perenes do Evangelho na grande missão da vida. Além disso, encontrou-se com políticos brasileiros, líderes religiosos, além de ter se hospedado no Mosteiro de São Bento em São Paulo.
O papa teve que lidar com um tema muito delicado: a pedofilia dos padres \ bispos. Em várias viagens como aos Estados Unidos, Malta, Reino Unido, Irlanda, por exemplo, encontrou-se com as vítimas dos abusos de clérigos. E publicamente pediu desculpas, ainda que tenha afirmado que o perdão não substitui a justiça e que os criminosos teriam que acertar as contas com a justiça civil. Alterou o código de direito canônico, prevendo uma pena pesada para o clérigo que abusasse de um menor. Enfrentou fortes protestos das famílias das vítimas, bem como da mídia.
Bento XVI também publicou a encíclica “Caritas in Veritate”, uma encíclica social, recordando que a caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. Afirma que caridade e verdade andam juntas, e que em um cristianismo de caridade sem verdade se assemelha a um depósito de sentimentos úteis para a sociedade, mas marginais. Sem verdade, a caridade cairia em um vago sentimentalismo. A função da verdade é fornecer a luz da razão e da fé, por meio da qual a inteligência pode chegar à verdade natural e sobrenatural da caridade, que significa doação, acolhida e comunhão com Deus e com os irmãos.
Em 2012 estourou o episódio que se chama Vatileaks, que envolveu o vazamento de documentos secretos do Vaticano, que relatam uma rede de corrupção de parceiros italianos. Paolo Gabriele, que era mordomo pessoal do papa, foi acusado de repassar informações ao jornalista Gianluigi Nuzzi, que publicou o livro Sua Santidade, as Cartas Secretas de Bento XVI, que trata de cartas confidencias entre o Papa e o seu secretário, relatando as politicagens, malandragens e confrontos entre facções secretas no Vaticano. Paolo Gabriele, que tinha sido preso, foi perdoado por Bento XVI em 22 de Dezembro de 2012.
É o Papa da fé, pois proclamou em 2013 o ano da fé ao publicar “Porta Fidei” tocando em temas como: o batismo é a porta de entrada na fé cristã, a redescoberta do caminho da fé em um mundo de profundas e rápidas transformações. O papa também aponta para a descoberta de Jesus como palavra encarnada, que sacia o coração de todo homem, a fé que torna a pessoa paciente, serena, moldada pelos princípios do Evangelho, o conhecimento dos conteúdos da fé, pois o coração indica um aspecto pessoal, íntimo e a boca um aspecto público, comunitário. O estudo do Catecismo da Igreja Católica é importante para o cultivo e progresso da vida de fé de cada cristão. Ainda reforça que a fé e a caridade andam juntas, e não podem ser desvinculadas. Bento XVI reforça a urgência de sermos firmes na fé, não negligenciando da vida de fé, alimentando-a com estudos da vida dos santos, da doutrina católica, a Eucaristia e fazer a diferença do mundo de hoje, seja por palavras, seja por atitudes.
Em 11-02-2013, o mundo recebe atônito a notícia de que Sua Santidade, o Papa Bento XVI apresenta sua renúncia ao ministério petrino, alegando dificuldades físicas e de saúde para tocar a barca de Pedro que é a Igreja. Imagino como simples cristão, as sucessivas traições que recebestes de seus colaboradores direitos e indiretos, membros da Cúria, bispos, sacerdotes, religiosos, e porque também não dizer dos leigos! Ficaste calado, rezando, juntando seu sofrimento à Paixão de Cristo, que também fora abandonado por seus amigos, quando o Senhor quis precisar da ajuda deles. O que tenho a dizer é muito obrigado, cresci muito como homem e católico, lendo seus escritos, te acompanhando através de suas mensagens, deixarás saudade pela firmeza, perspicácia, amor e humildade na qual guiava o timão da Igreja. Com certeza, está entre os melhores pensadores, críticos da modernidade, em nosso tempo. Poderia ter ficado até o final de sua vida, mas decidiu sair, para mostrar que ninguém é eterno em lugar nenhum e que todo posto de poder e influência é na verdade um serviço a Deus, que não precisa do nosso serviço, mas quis precisar, e aos irmãos. Continuarás sendo meu pai na fé e de outros tantos que sofrem, rezam, admiram seu exemplo e que agradece a Deus pelo dom da sua vida. O Brasil que iria te receber novamente, receberá seu sucessor com a mesma alegria que se fosse você! Deus te abençoe por todo o bem, todo o amor, todo o sofrimento em favor da Igreja e da humanidade! Sede bendito, Papa Bento XVI !