Para Aristóteles, há 4 causas (Aitia): Natural (Physis), Espontânea (Automaton), Fortuna (Thykhê) e a Arte (Tekhné). O estagirita não está tão preocupado com a física das coisas, mas com a gênese das coisas, um princípio, uma Arkhé, assim como os filósofos pré-socráticos.
A palavra Physis sugere dinâmica do movimento, entre manifestação e ocultamento. Possui uma operação muito parecida com a Zoe, um movimento contínuo entre morte (thanatos) e vida (bios). A natureza tem um princípio[1] nela mesma, da mesma maneira que a semente é uma árvore em potêncial. A fortuna, o espontâneo e a arte não possuem princípio em si mesmos, como na Physis: “(...) quando algo vem a ser contra a natureza (para phusin), não dizemos que veio a ser por acaso (apo tukhês), mas pelo espontâneo (apo tautomatou)” (Física, 197b). Não há qualquer sinal de intencionalidade no espontâneo, que é diametralmente oposta à Physis. Não há também quaisquer traços de deliberação. Nos três itens, sempre há uma causa externa provocando uma operação de movimento. A arte tem a função de imitar a natureza e a fortuna pode ocasionar erro na intenção do indivíduo. Uma questão importante se impõe: Porque explicar causas exteriores à natureza?Porque é preciso reconhecer o que está imperando na natureza para que haja um entendimento da realidade. Se analisarmos a sociedade hodierna, notaremos que ela está altamente mecânica, robotizada, ausente de pensamento crítico. Essa mecanização, automação faz com que o homem se desvie de sua verdadeira natureza.
É isso que abre espaço para o mal involuntário, já que seria anacronismo considerar a existência de um mal absoluto, quando consideramos o mal metafísico como uma privação, carência de ser.
Pelo distanciamento de sua verdadeira natureza, gênese de todos os males, o homem vai se tornado vão. O vão simula a natureza, é anti-natural e não possui finalidade estabelecida, é arbitrário. Se há um destino (moira) no homem, não é a infelicidade, mas o contrário: a felicidade. A finalidade da ação humana é o bem: “ (...) são (por natureza) todas as coisas que, movidas continuamente (sunekhôs) por um princípio nelas mesmas (en autois arkhês), chegam a um acabamento (telos)” (Física, 199b). O contrário de vão, é aquilo que é necessário, portanto, possui o princípio de movimento em si, e tende a um fim determinado, como podemos constatar as coisas naturais e a matemática, como afirma o Estagirita: “O necessário (anankaion) é de certo modo similar nas matemáticas e nas coisas que vêm a ser pela natureza (kata phusin)” (Física, 200a). O que é vão, pode impedir aquilo que é necessário, o que é arbitrário e sem finalidade pode impedir aquilo que pode ter uma finalidade. Uma pessoa marcada pelo vão[2] não sabe discernir o que realmente é necessário. Então, o que faria o homem regressar à sua verdadeira natureza? O vão interrompe o movimento, pois não tem finalidade própria. A justiça (diké) não interrompe o movimento, pois está diretamente ligada à natureza (physis). A justiça é a manutenção do movimento da natureza. De certa maneira, o amor e a pobreza retomam a necessidade da verdadeira natureza humana. No Banquete[3] de Platão, promovido por Agaton, Socrates afirma que o amor está inscrito na natureza (physis), e longe dele, o indivíduo se distancia da sua natureza, distanciando-se também se sua felicidade. E aquilo que distancia da natureza é o apego desordenado à riqueza, que é oposta à felicidade. O amor[4] está intimamente relacionado com o desejo (epithymia), pois o amor é mantido na medida em que se reconhece as carências do desejo. Quanto mais distante do objeto desejado, maior é o desejo e as suas carências. Aqui está uma profunda relação entre o conhece-te a ti mesmo socrático e o amor: é preciso desvelar-se o tempo todo para não se distanciar da verdadeira natureza humana.
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução, introdução e comentários de Lucas Angioni. São Paulo: Editora UNICAMP, 2009.
PLATÃO. Banquete, in: Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural: 1979
Ramalho. A.C Aristófanes. Pluto (A Riqueza), Brasília, Ed. UnB, 1999.
[1] “Esse fazer o princípio da mudança (METRÓPOLE) e do movimento (KINESIS) o fazer causa a geração (GENESIS) ao mesmo tempo que provoca a corrupção / sedução ” (Geração – Corrupção, 336ª)
[2] Se um ato está impossibilitado por algum motivo, a paixão (PATHÓS) fica presa no corpo e trava-se o movimento. Esse é o mal / pecado (KAKOS)
[3] Banquete: Incomium (latim), Symposium (grego)
[4] Em Pluto, Aristófanes define o amor como complemento e no Banquete, Socrates define o amor como suplemento, pois para o filósofo, o amar gera carências, em decorrência daquilo que se deseja.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Entre a crítica e o elogio
Você sabe aceitar uma crítica? E um elogio? Há quem encare a crítica como uma oportunidade de crescimento. Há quem encare como uma grande ameaça. Há quem considere que sempre precisa melhor, há quem considere que atingiu a plenitude daquilo que se pode ser e fazer. O fato é que as pessoas ainda não sabem lidar com a crítica, muito menos com o elogio. Quando criticadas, podem chegar ao máximo do complexo de inferioridade, quando elogiadas, podem chegar ao cume do complexo de superioridade. Bestas ou bestiais? Ignorantes ou gênios? Não há ninguém que seja totalmente bom, nem ninguém que seja totalmente mau. A crítica não é boa, nem ruim em si mesma, como o elogio também não é bom ou ruim em si mesmo. Depende do emissor e muito mais do receptor. Crítica e elogio trazem ensinamentos: na crítica, sempre há o que melhorar e não caia nas armadilhas da imaginação achando que você é a pior pessoa do universo, no elogio, continue progredindo, mas não se considere muito além da conta. Não há ninguém que seja tão triste, não há ninguém que seja tão feliz. Estamos na intersecção entre virtude e vicio, plenitude e ausência. Que estranha tendência temos de se apegar aos extremos! Excessos e carências, abundãncia e miséria, serenidade e inquietação: a virtude está na justa medida.
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