quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A natureza, o vão e o amor

Para Aristóteles, há 4 causas (Aitia): Natural (Physis), Espontânea (Automaton), Fortuna (Thykhê) e a Arte (Tekhné). O estagirita não está tão preocupado com a física das coisas, mas com a gênese das coisas, um princípio, uma Arkhé, assim como os filósofos pré-socráticos. A palavra Physis sugere dinâmica do movimento, entre manifestação e ocultamento. Possui uma operação muito parecida com a Zoe, um movimento contínuo entre morte (thanatos) e vida (bios). A natureza tem um princípio[1] nela mesma, da mesma maneira que a semente é uma árvore em potêncial. A fortuna, o espontâneo e a arte não possuem princípio em si mesmos, como na Physis: “(...) quando algo vem a ser contra a natureza (para phusin), não dizemos que veio a ser por acaso (apo tukhês), mas pelo espontâneo (apo tautomatou)” (Física, 197b). Não há qualquer sinal de intencionalidade no espontâneo, que é diametralmente oposta à Physis. Não há também quaisquer traços de deliberação. Nos três itens, sempre há uma causa externa provocando uma operação de movimento. A arte tem a função de imitar a natureza e a fortuna pode ocasionar erro na intenção do indivíduo. Uma questão importante se impõe: Porque explicar causas exteriores à natureza?Porque é preciso reconhecer o que está imperando na natureza para que haja um entendimento da realidade. Se analisarmos a sociedade hodierna, notaremos que ela está altamente mecânica, robotizada, ausente de pensamento crítico. Essa mecanização, automação faz com que o homem se desvie de sua verdadeira natureza. É isso que abre espaço para o mal involuntário, já que seria anacronismo considerar a existência de um mal absoluto, quando consideramos o mal metafísico como uma privação, carência de ser. Pelo distanciamento de sua verdadeira natureza, gênese de todos os males, o homem vai se tornado vão. O vão simula a natureza, é anti-natural e não possui finalidade estabelecida, é arbitrário. Se há um destino (moira) no homem, não é a infelicidade, mas o contrário: a felicidade. A finalidade da ação humana é o bem: “ (...) são (por natureza) todas as coisas que, movidas continuamente (sunekhôs) por um princípio nelas mesmas (en autois arkhês), chegam a um acabamento (telos)” (Física, 199b). O contrário de vão, é aquilo que é necessário, portanto, possui o princípio de movimento em si, e tende a um fim determinado, como podemos constatar as coisas naturais e a matemática, como afirma o Estagirita: “O necessário (anankaion) é de certo modo similar nas matemáticas e nas coisas que vêm a ser pela natureza (kata phusin)” (Física, 200a). O que é vão, pode impedir aquilo que é necessário, o que é arbitrário e sem finalidade pode impedir aquilo que pode ter uma finalidade. Uma pessoa marcada pelo vão[2] não sabe discernir o que realmente é necessário. Então, o que faria o homem regressar à sua verdadeira natureza? O vão interrompe o movimento, pois não tem finalidade própria. A justiça (diké) não interrompe o movimento, pois está diretamente ligada à natureza (physis). A justiça é a manutenção do movimento da natureza. De certa maneira, o amor e a pobreza retomam a necessidade da verdadeira natureza humana. No Banquete[3] de Platão, promovido por Agaton, Socrates afirma que o amor está inscrito na natureza (physis), e longe dele, o indivíduo se distancia da sua natureza, distanciando-se também se sua felicidade. E aquilo que distancia da natureza é o apego desordenado à riqueza, que é oposta à felicidade. O amor[4] está intimamente relacionado com o desejo (epithymia), pois o amor é mantido na medida em que se reconhece as carências do desejo. Quanto mais distante do objeto desejado, maior é o desejo e as suas carências. Aqui está uma profunda relação entre o conhece-te a ti mesmo socrático e o amor: é preciso desvelar-se o tempo todo para não se distanciar da verdadeira natureza humana. Referências bibliográficas ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução, introdução e comentários de Lucas Angioni. São Paulo: Editora UNICAMP, 2009. PLATÃO. Banquete, in: Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural: 1979 Ramalho. A.C Aristófanes. Pluto (A Riqueza), Brasília, Ed. UnB, 1999. [1] “Esse fazer o princípio da mudança (METRÓPOLE) e do movimento (KINESIS) o fazer causa a geração (GENESIS) ao mesmo tempo que provoca a corrupção / sedução ” (Geração – Corrupção, 336ª) [2] Se um ato está impossibilitado por algum motivo, a paixão (PATHÓS) fica presa no corpo e trava-se o movimento. Esse é o mal / pecado (KAKOS) [3] Banquete: Incomium (latim), Symposium (grego) [4] Em Pluto, Aristófanes define o amor como complemento e no Banquete, Socrates define o amor como suplemento, pois para o filósofo, o amar gera carências, em decorrência daquilo que se deseja.

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