sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Despedida: forma interessante de encontro

Caríssimos; Depois das palavras do amigo Rogério, arrisco algumas palavras. Último dia de aula, para três anos que convivemos juntos. Viver é relativamente fácil, conviver é tarefa e desafio que se impõe para uma vida toda. Tanta gente passou por nós, nós passamos pela vida de outras tantas pessoas e o que deixei nessa gente? O que deixaram em mim? Algumas pessoas passaram, outras ficaram... para ambas, que fiquem marcas positivas. Comemore por chegar ao fim, mas não se esqueça que nesse fim, há um começo. Vibre, mas não pense que houve vencedores e vencidos efetivos. Quem pensa que venceu, poderá tropeçar, quem pensa que perdeu, poderá se levantar. Pessoas são mais interessantes em seus avessos, onde há mais ser para além dos olhos que podem ver, pois desconcerta àqueles fixados na aparência. Agradeço a todos vocês por me ajudarem a fazer o que fiz por vocês. Não tive outro interesse a não ser o interesse de vocês. Não tinha que ser diferente. Foi um desafio enorme, responsabilidade grande ser um 'porta-voz' de pessoas brilhantes. Gelou o ser quando me delegaram essa missão. Poderia até saber de alguns riscos, mas não imaginava o que viria pela frente. Trago um sentimento bom sobre isso, não é fácil estar à frente de uma turma de Filosofia durante 3 anos. Exupéry dizia que o essencial é invisível aos olhos, que somos responsáveis por aqueles que cativamos. Hoje, devolvo a vocês, caríssimos, essa chave que vocês me confiaram no começo de 2007, certo de que poderia fazer mais, mas fiz até onde meu limite permitiu. Lembro-me da professora Glória dizendo que quem entrou na roda da Filosofia, não será mais o mesmo. Colheremos os frutos desses três anos ao longo da vida. Que tudo o que vimos em sala de aula possa ter nos auxiliado a sermos mais humanos uns para com os outros, a viver com mais qualidade de vida, no sentido existencial da mesma. Valeu a pena conhecer e conviver com cada um, cada qual, com sua vivência, seu jeitão único. O que resta a todos nós, como diria Milton Nascimento é tomar conta da amizade e soltar a voz nas estradas por onde andarmos. Semeando esclarecimentos, filosofando com o coração e com a vida, pois como diria Pascal, "o coração tem razões que a própria razão desconhece." Essas coisas do coração, a amizade, são aulas que a faculdade não deu, mas que a vida se encarregou de ensinar a cada um. Peço desculpas a todos por alguma palavra, algum gesto que tenha ferido alguém. Nesse instante que me faltam as palavras (a perplexidade e o silêncio é o começo da boa filosofia), recorro ao poema de Fernando Pessoa "Encerrando ciclos". Despedidas nem sempre são fins, mas constituem-se uma forma de encontro interessante com as pessoas e com a nossa história vivenciada. A cada um, meu abraço amigo e irmão, e a minha mão estendida quando precisarem। Avancem para águas mais profundas! Com estima e gratidão! Ricardo Ferrara Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final... Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram. Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações? Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu... Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado. Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora... Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará! Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és. E lembra-te: Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão Fernando Pessoa

Um comentário:

  1. Adorei, Ricardo... estava precisando ler isso! É incrível! Vc escreve muito bem, parabéns! Serviu muito para mim. Me diga onde encontro esse passagem do Pessoa...?
    Muito grata! Adriana Melo.

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