Meu primeiro violão, a ti dirijo essa especial saudação! Tu que me encontraste quando eu nem mesmo sabia te manusear, tu que me aturaste com os meus titubeares, tu que presenciaste o brilho do meu olhar ao te ver pela primeira vez! Sonho de um menino, sorriso de um adolescente, o céu desceu a terra quando eu pude te tocar, mas acontece que tu me tocaste primeiro do que eu. Dedilhaste as cordas de minh’alma antes mesmo que eu te dedilhasse, teceste uma canção em meu coração, antes que qualquer melodia surgisse das entranhas do meu ser. O quanto da minha canção ainda está presa em ti para que o meu canto torne leve o caminhar. Levei-te para restaurares, mas reformaste a minha vida muito antes e só agora eu vim saber. O que seria de mim, triste vida, se não tivesse você ao meu lado para espantar a solidão, para aquecer a lareira do meu coração nos dias frios? Quando te toco, tenho a suave sensação de que tocas em mim, assim, tu ganhas um coração e eu me transformo na sua mais viva canção. Sei que minhas parcas palavras não compreendem a imensidão de tua grandeza. A tua arte me mostrou a face mais preciosa da vida, o teu horizonte me fez desbravar caminhos que trilho hoje que nem podia imaginar que um dia eu viesse a trilhar. Eu ainda sigo sem te compreender, mas o quanto que o teu compreender de mim, ainda me lança ao infinito da verdade da canção, da beleza da poesia e no altar da arte. Nasci para reverenciar esse mistério, estou imerso nesse abismo. Meu irmão violão, eu ainda não te possuo, tu é que possuis a mim!
domingo, 16 de maio de 2010
sexta-feira, 14 de maio de 2010
As imbricações entre consciência e linguagem em Nietzsche
Tomando o aforismo 354, do “gênio da espécie” que pertence ao livro “A gaia ciência”, para Nietzsche, poderíamos viver muito bem sem a consciência, pois para o filósofo, para pensar, sentir, querer, recordar, bastaria a ação. O homem pré-histórico pôde muito bem viver sem precisar da consciência. O questionamento fundante é esse: Para que então consciência, quando no essencial é supérflua? Resposta: a consciência está atrelada à questão da necessidade de comunicação, da linguagem. Mais especificamente, a consciência tomou o estatuto que tomou, devido a essa pressão da necessidade de comunicação. Os animais não necessitam de uma consciência. Ela teria se desenvolvido no relacionamento entre as pessoas, não seria realmente fruto de uma verdadeira necessidade natural, teria sido forjada, seria uma necessidade ilusória e artificial. Nietzsche vai criticar duramente a Gramática, denominando-a de ‘metafísica do povo’. A relação entre consciência e linguagem, de certa forma, se desenvolveu a partir da dialética senhor-escravo. A moral dos senhores tem como ponto de partida o sentimento de distância, de superioridade. A moral dos escravos tem o seu fundamento na perspectiva da igualdade e da fraqueza. Os senhores criam as suas próprias tábuas de valores e os escravos como auto-defesa, oferecem sua ‘obediência irrestrita’. Os valores do senhor são confirmados a medida em que o escravo se deixa maltratar. Para Nietzsche, qualquer ato humano que passa pela consciência é uma ‘terrível obrigação’ que por muito tempo comandou os homens. O pensar consciente é a fatia mais rasa do homem, pois encarna-se em palavras, desvelando a sua gênese e relação com a linguagem humana. A consciência é uma tentativa do conhecimento de si mesmo, que no fundo é uma crítica de Nietzsche a Sócrates e a toda tradição filosófica ocidental. Para o filósofo em questão, a consciência tem uma faceta despersonalizante do individual, fazendo com que as peculiaridades do indivíduo se dissolvam. A percepção do mundo como um todo é rasa e superficial. O que conta é a perspectiva única e individual de cada homem. Neste registro, não há verdades absolutas, mas infinitas interpretações sobre infinitos universos. Cada perspectiva pode ser mais ou menos abrangente, mas, em geral, são imperfeitas, não-absolutas e complementares. Se pudermos falar em uma ‘objetividade do conhecimento’ em Nietzsche, essa tem como mote o alargamento das perspectivas e interpretações. Não se trata de um conhecimento linear, tampouco um conhecimento acumulativo. A consciência é uma doença contagiosa para Nietzsche, que também acusa a compaixão de ser uma doença da civilização européia que levaria a um novo budismo e ao niilismo, na primeira dissertação da Genealogia da Moral. Nietzsche não trata sobre a dialética entre sujeito e objeto, fenômeno e coisa em si, já que está mais interessado em implodir todas as dicotomias, como a verdade-falsidade, o bem-mal, o sujeito-objeto, a aparência-realidade. O conhecimento passa a ser utilitário, já que, segundo Nietzsche, não temos nenhum órgão que nos permita o conhecer, de certa forma. A validade do conhecimento será medido pela perspectiva de que se ele é realmente útil para os homens.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Passo inteiro, olhar agudo
Caminho. Faço a tarefa de dar cada passo. A estrada é longa, eu bem sei. Mas em cada passo há um mini caminho a ser percorrido. Em cada passo, o horizonte parece que fica mais próximo, mas revela outros horizontes. Resposta para minha pergunta traz outras perguntas, cujas respostas trarão mais perguntas. Entre pergunta e resposta, somente um coração e a angústia de sobreviver. Viver é belo, o sobreviver que é angustiante. Dilacera, corta a carne mais profunda da alma. A lágrima que escorre dos meus olhos é o sangue dessa carne da alma. A estrada é feita por passos que são micro- caminhos. Quem insiste em desconhecer os riscos de um passo, tampouco será digno dos riscos e da glória da estrada toda, conjunto dos pequenos passos. Em cada passo eu me fio e me afio, me penso e repenso. Em cada passo, misturo o caminhar e o repouso, a vida e a morte. Melhor ser o passo inteiro do que a estrada percorrida pela metade. Em cada passo, passo e me repasso. Que há de bom nisso? O meu auto-conhecer, o conhecer o mundo. Já que terei que me suportar pela vida inteira, nada mais justo do que me conhecer, conhecer como lidar melhor comigo mesmo. Para isso, é preciso saber olhar. Quantos lançam os seus olhares e não veem. Quantos lançam os seus olhares e não enxergam. Não é preciso mais tempo, pois o tempo está aí, é uma correnteza atemporal que é oferecida a todos. Que sofisma mais mediocre é esse de não ter tempo! É preciso vagar, é preciso disponibilidade. Ter um momento para sentir-se gente, ser humano, é tão salutar quanto ter um momento para a alimentação. Um olhar adentra a intimidade mais íntima de alguém. Porque ter medo de se olhar? Será o medo de se encontrar ou será o medo de se perder? O relacionar-se consigo é desdobramento do relacionar-se com as demais pessoas. Tente olhar para alguém sem maiores pretensões; verás um olhar se desviará do seu. Pode ser medo, pode ser indiferença. Se for medo, ainda sim é um tipo de relação que se estabelece que tem jeito de reversão. Se for indiferença, bem... a pessoa indiferente estabelece ao ser real a sua mais completa negação de ser alguém. Simula a não-existência de um ser real. Talvez também simule consigo mesma essa relação. Talvez negue a si próprio a possibilidade de refletir sobre si mesmo, sendo indiferente a essa possibilidade e, por efeito cascata, se alastra no lidar humano com as pessoas. O que falta é passo inteiro, olhar agudo!
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Confissões pós-modernas em versos de melancolia
Inadequado, sou inadequado
Nesse mundo pós-moderno
Vivo para me adequar.
Saudade do que? Eu não sei...
Sou a perda do que se foi
E a ausência do que não é.
Meus caminhos descontínuos
São vertigens na madrugada
Estou entre as intermitências
E as reticências da vida.
Puro fluxo, carne inteira
Afio minha humanidade
Na navalha da realidade
Sangra todo sentido e dor.
Esses caminhos sem volta
São labirintos obscuros
Espaços tão inexplorados
Quando o espaço sideral.
Navego em mares virtuais
Enormes tsunamis digitais
O mouse vira minha prancha
e a tela meu horizonte.
Sempre com alguém vou
Mas quase sempre tão distante
Estou presente e sou ausente
Já nem sei mais quem sou.
Da competição à leveza nas relações
Quando se trata de relações humanas, não se pode muitas coisas objetivar, pois o relacionamento humano não é uma ciência exata. Contudo, se podemos falar em universais na filosofia do relacionamento humano, esses universais, ou seja, características presente em todos os homens e em todas as suas relações, são os seus acertos e seus erros. Penso que é um discurso vazio falar sobre ‘se colocar no lugar do outro’, ou falar sobre compaixão, ou até mesmo sobre amor, se não levarmos em consideração essas duas importantes características. O fato é que ninguém está isento de acertar e de errar em uma relação. Mas se você acertou uma vez e errou uma vez, o que fica mais marcado é a vez que você errou. Isso é uma das consequências da produção em série, mecanizada, que também afeta as relações. Mas até mesmo quando se acerta, parece que não fazemos mais que a obrigação. Igualmente um desdobramento da mecanização que se estende nas relações humanas. O que nos motiva a acertar, apurar e melhorar em uma relação humana? O que nos motiva a errar, a romper, a ficarmos indiferentes em uma relação humana? Se foi sem querer, se não foi por intenção, quando dizemos ou fazemos algo que alguém não assimila bem, é bom que fique claro que a intenção acaba perdendo a sua força, diante do que ocorreu. A ação traiu a intenção. Que atitude tomar? Uma boa conversa, olho no olho, colocando todas as cartas na mesa. Eu disse todas as cartas. Uma coisa fundamental é que não se ignore as diferenças. Que não se coloque panos quentes pensando que se apaga uma situação conflituosa que ainda borbulha. As diferenças existem e são reais. Ao mesmo tempo, que não se absolutize as diferenças, com a pretensão de que só a sua diferença faz a diferença, e o outro tem que engoli-la guela a baixo. A pedra de toque é que as diferenças são que nem quebra-cabeças: com paciência e persistência, achamos o encaixe da nossa diferença com o outro. E que aquilo que é comum, que não seja superficial; foi feito para ser aprofundado, cada vez mais. Usar de transparência, falar o que sente sem que isso fira alguém, e ao mesmo tempo, nos alivie interiormente é um enorme desafio. Falar o que sentimos é mais fácil do que escutar o que os outros sentem. Quem será o primeiro a pedir truco? Alguém dirá: 6, o outro: 9 e o outro: 12. Chegaram ao 12, mas ainda estão no 1 a 1 e todos querendo ganhar. Mas não terão consciência de que é preciso desarmar-se, despir-se do espírito de competição e embriagar-se do espírito de colaboração, de entendimento mútuo, colocando na mesa os acertos e erros e pensar por onde recomeçar e evitar que esses erros aconteçam novamente. O conceito de felicidade anda mesmo deturpado... . Parece que a felicidade deve ser alcançada, mesmo se for preciso pisar nos outros, mesmo que seja apesar dos outros. Olhos nos olhos, e sobre a mesa, conjugamos os verbos acertar e errar, em todos os tempos e modos verbais, descobrimos que isso é mais comum do que imaginamos, para que assim, as relações humanas nos tragam mais leveza, alívio. Assim, é possível falar sobre amor, gratuidade, compaixão, sem ingenuidade ou ilusão, mas com maturidade irrefutável. Alguém ainda vai querer trucar?
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