Tomando o aforismo 354, do “gênio da espécie” que pertence ao livro “A gaia ciência”, para Nietzsche, poderíamos viver muito bem sem a consciência, pois para o filósofo, para pensar, sentir, querer, recordar, bastaria a ação. O homem pré-histórico pôde muito bem viver sem precisar da consciência. O questionamento fundante é esse: Para que então consciência, quando no essencial é supérflua? Resposta: a consciência está atrelada à questão da necessidade de comunicação, da linguagem. Mais especificamente, a consciência tomou o estatuto que tomou, devido a essa pressão da necessidade de comunicação. Os animais não necessitam de uma consciência. Ela teria se desenvolvido no relacionamento entre as pessoas, não seria realmente fruto de uma verdadeira necessidade natural, teria sido forjada, seria uma necessidade ilusória e artificial. Nietzsche vai criticar duramente a Gramática, denominando-a de ‘metafísica do povo’. A relação entre consciência e linguagem, de certa forma, se desenvolveu a partir da dialética senhor-escravo. A moral dos senhores tem como ponto de partida o sentimento de distância, de superioridade. A moral dos escravos tem o seu fundamento na perspectiva da igualdade e da fraqueza. Os senhores criam as suas próprias tábuas de valores e os escravos como auto-defesa, oferecem sua ‘obediência irrestrita’. Os valores do senhor são confirmados a medida em que o escravo se deixa maltratar. Para Nietzsche, qualquer ato humano que passa pela consciência é uma ‘terrível obrigação’ que por muito tempo comandou os homens. O pensar consciente é a fatia mais rasa do homem, pois encarna-se em palavras, desvelando a sua gênese e relação com a linguagem humana. A consciência é uma tentativa do conhecimento de si mesmo, que no fundo é uma crítica de Nietzsche a Sócrates e a toda tradição filosófica ocidental. Para o filósofo em questão, a consciência tem uma faceta despersonalizante do individual, fazendo com que as peculiaridades do indivíduo se dissolvam. A percepção do mundo como um todo é rasa e superficial. O que conta é a perspectiva única e individual de cada homem. Neste registro, não há verdades absolutas, mas infinitas interpretações sobre infinitos universos. Cada perspectiva pode ser mais ou menos abrangente, mas, em geral, são imperfeitas, não-absolutas e complementares. Se pudermos falar em uma ‘objetividade do conhecimento’ em Nietzsche, essa tem como mote o alargamento das perspectivas e interpretações. Não se trata de um conhecimento linear, tampouco um conhecimento acumulativo. A consciência é uma doença contagiosa para Nietzsche, que também acusa a compaixão de ser uma doença da civilização européia que levaria a um novo budismo e ao niilismo, na primeira dissertação da Genealogia da Moral. Nietzsche não trata sobre a dialética entre sujeito e objeto, fenômeno e coisa em si, já que está mais interessado em implodir todas as dicotomias, como a verdade-falsidade, o bem-mal, o sujeito-objeto, a aparência-realidade. O conhecimento passa a ser utilitário, já que, segundo Nietzsche, não temos nenhum órgão que nos permita o conhecer, de certa forma. A validade do conhecimento será medido pela perspectiva de que se ele é realmente útil para os homens.
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