quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Amor gasoso

Baumann, notório sociólogo polonês, que trabalhou muito o tema do Holocausto, escreveu muito sobre a fragilidade das relações humanas. Escreveu um livro "Amor líquido", que por sinal ostenta um título muito sugestivo para o tempo atual. Quando o sociólogo fala sobre o amor líquido, está querendo dizer que as relações estão mais frágeis do que eram antes. Antigamente, o amor era sólido, tinha fundamento e alicerce. O fundamento era a valorização do outro enquanto pessoa, a responsabilidade e zelo pela felicidade e bem-estar do outro. A passagem do amor sólido para o amor líquido caracteriza-se pela falta de comprometimento pelo outro, a utilização do outro em benefício próprio. Para ser justo com o sinal dos tempos e com o diagnóstico proferido por Baumann, permito-me dizer que já passamos do amor líquido para o amor gasoso. É apenas o processo de intensificação e massificação do amor líquido, que era sólido. Seria preciso fazer uma analogia com os estados sólido, líquido e gasoso para compreendermos a profundidade e a magnitude de tal problemática. Entender o amor gasoso somente é possível através da compreensão do amor líquido, bem como a passagem do amor sólido ao líquido, tal qual o derretimento de uma geleira inteira, que se transforma em um imenso oceano sob o sol escaldante do deserto. Só que o mesmo sol escaldante que derrete a geleira em água, transforma a água em vapor. O gelo dificilmente se mistura com qualquer outra coisa, ou seja, nada pode penetrá-lo enquanto está no estado em que está. A água já se mistura com a maior parte das coisas, mas não com todas, como por exemplo o óleo. Quando se transforma em vapor, pode se misturar com todos os gases possíveis e imagináveis que possam existir. Percebemos que entre os estados o grau de volatividade tende a aumentar, ou seja, a consistência da matéria é decomposta até a sua forma primeira e indivísivel. Acontece que o amor, a amizade, a relação são elementos que vão sendo constrúidos, de acordo com a caminhada humana na história. Antes, um bom casamento era precedido de uma boa amizade e um excelente namoro. Hoje um péssimo casamento acontece com uma tortuosa amizade e um vicioso namoro. Quando em uma relação, seja ela de amizade, de namoro, etc, não se mantém a chama da cortesia, da generosidade, da alteridade, a tendência é extrair o máximo de vantagem enquanto puder, e quando não tiver mais o que precisar, o descarte vem a tona. É aqui que o humano se encarna como irracional, tal qual um animal precindido da razão. (Apesar que há animais mais racionais e mais humanos do que muitos humanos que eu conheço!). Tudo o que era frágil, tornou-se hiper frágil, tudo o que era utilitarista, foi a vertentes jamais vistas anteriormente. Como toda a revolução que se preze, este processo aconteceu na surdina, no sono pesado da humanidade pós-moderna, que ainda não se deu conta, e se vê sufocadas pelos hipers, pelos megas, pelos supers. A questão é que antes bebíamos o ser egoísta e o ser utilitário, agora respiramos o egoísmo e o utilitarismo. Respiramos esse ar que também entra pelos poros da pele. Espero que dos hiper textos , hiper links e etc, possa vir a emergir os hipers humanos e que sejam mais leves e mais envolventes do que o amor que se transforma em vapor em poucos milésimos de segundo.

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